Pesquisar este blog

sexta-feira, 27 de março de 2009

SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL (SAA) E SEU TRATAMENTO

Pessoas que bebem de forma excessiva, quando diminuem o consumo ou se abstêm completamente, podem apresentar um conjunto de sintomas e sinais, denominados Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA).
Uma série de fatores influenciam o aparecimento e a evolução desta síndrome, entre eles: a vulnerabilidade genética, o gênero (sexo), o padrão de consumo de álcool (quantidade e frequencia do uso), as características individuais biológicas e psicológicas e os fatores sócio-culturais.
Os sinais e sintomas mais comuns da SAA são: agitação, ansiedade, alterações de humor (irritabilidade, disforia), tremores, náuseas, vômitos, taquicardia (coração disparado), hipertensão arterial (pressão alta). Podem ocorrer complicações como: alucinações, o Delirium Tremens (DT) e convulsões.
Os sintomas e sinais da SAA estão relacionados à alteração nos níveis de liberação de noradrenalina e dopamina.
A liberação de dopamina, durante a SAA, apresenta queda a níveis inferiores aos observados no período anterior à exposição crônica ao álcool.



COMO SE FAZ DIAGNÓSTICO DE SAA?

A redução ou a interrupção do uso do álcool em pacientes dependentes produz um conjunto bem definido de sintomas chamado de síndrome de abstinência. Embora alguns pacientes possam experimentar sintomas leves, existem aqueles que podem desenvolver sintomas e complicações mais graves, levando-os até a morte.
O quadro se inicia após 6 horas da diminuição ou interrupção do uso do álcool, quando aparecem os primeiros sintomas e sinais. São eles: tremores, ansiedade, insônia, náuseas e inquietação. Sintomas mais severos ocorrem em aproximadamente 10% dos pacientes, e incluem febre baixa, taquipnéia (respiração acelerada), tremores e sudorese profusa.
Em cerca de 5% dos pacientes não tratados, as convulsões podem se desenvolver.
Outra complicação grave é o delirium tremens , caracterizado por alucinações, alteração do nível da consciência e desorientação. A mortalidade nos pacientes que o apresentam é de 5 a 25%.

NÍVEL DE GRAVIDADE DA SAA:

Nível I – Quando o comprometimento é LEVE/MODERADO e, portanto, apresenta uma síndrome de abstinência leve/moderada, compreendendo os seguinte aspectos:
BIOLÓGICOS: leve agitação psicomotora; tremores finos de extremidades; sudorese facial discreta; episódios de cefaléia; náuseas sem vômitos; sensibilidade visual, sem alteração da percepção auditiva e tátil.
PSICOLÓGICOS: o contato com o profissional de saúde está íntegro; o paciente encontra-se orientado temporoespacialmente; o juízo crítico da realidade está mantido; apresenta uma ansiedade leve; sem relato de episódio de violência auto ou heterodirigida.
SOCIAIS: mora com familiares ou amigos e esta convivência está regular ou boa; sua atividade produtiva vem sendo desenvolvida, mesmo que atualmente esteja desempregado/afastado, a rede social está mantida.
COMÓRBIDOS: sem complicações e/ou comorbidades clínicas e/ou psiquiátricas graves detectadas ao exame clínico-psiquiátrico geral.

Para os pacientes classificados como nível I deve ser informado com clareza sobre o diagnóstico, recebendo orientações sobre a dependência do álcool e sobre a síndrome de abstinência, além de tratamento específico para a fase de privação aguda de acordo com a necessidade. O encaminhamento será direcionado para o tratamento ambulatorial especializado, com ou sem desintoxicação domiciliar.

Nível II – Quando o comprometimento é GRAVE e, portanto, apresenta uma síndrome de abstinência grave com os seguintes aspectos:
BIOLÓGICOS: agitação psicomotora intensa; tremores generalizados; sudorese profusa; cefaléia; náuseas com vômitos; sensibilidade visual intensa; quadros epiletiformes agudos ou relatados na história pregressa.
PSICOLÓGICOS: o contato com o profissional de saúde está prejudicado; o paciente encontra-se desorientado temporoespacialmente; o juízo crítico da realidade está comprometido; apresenta-se com uma ansiedade intensa; refere história de violência auto ou heterodirigida; o pensamento está descontínuo, rápido e de conteúdo desagradável e delirante; observam-se alucinações auditivas, táteis ou visuais.
SOCIAIS: o relacionamento com familiares ou amigos está ruim; tem estado desempregado, sem desenvolver qualquer atividade produtiva; a rede social de apoio é inexistente ou restrita ao ritual de uso do álcool; não possui familiares auxiliando no tratamento.
COMÓRBIDOS: com complicações e/ou comorbidades clínicas e/ou psiquiátricas graves detectadas ao exame geral.

Para os pacientes nível II, a emergência clínica-psiquiátrica será a melhor intervenção, solicitando-se a presença imediata de familiares ou amigos para orientação quanto à gravidade do quadro. O paciente será encaminhado para tratamento hospitalar especializado, sendo que a família deverá receber uma intervenção psicoeducacional sobre o transtorno, concomitantemente.


PRINCIPAIS COMORBIDADES COM A SAA:


SISTEMA NERVOSO CENTRAL
Apagamentos (amnésia lacunar)
Convulsão
Diminuição da habilidade motora e transtornos motores
Diminuição da capacidade cognitiva
Neuropatia sensório-motora periférica
Síndrome de “Wernicke-Korsakoff”: oftalmoplegia + ataxia +
Confusão mental + alterações de memória.
Degeneração cerebelar
Encefalopatia hepática
Demência relacionada ao álcool
Transtornos neuropsicológicos relacionados ao álcool
Traumatismo crânio encefálico
SISTEMA GASTROINTESTINAL
Pancreatite crônica
Esteatose hepática
Hepatite alcoólica
Hemorragia digestiva
Cirrose hepática com ou sem hepatite alcoólica
Gastrite
Esofagite de refluxo
Tumores

SISTEMA ÓSTEO-MUSCULAR
Fraqueza muscular proximal
Miopatia generalizada
Osteopenia
Quedas freqüentes e fraturas
ANORMALIDADES HEMATOLÓGICAS
Distúrbios de coagulação
Anemias por deficiência nutricional

SISTEMA CARDIOVASCULAR
“Holiday Heart Syndrome”: episódios de arritmia supraventricular após grande ingestão alcoólica
Arritmias: fibrilação atrial, flutter atrial, extrassistolia
Insuficiência cardíaca
Miocardiopatia alcoólica
Hipertensão arterial
SISTEMA ENDÓCRINO
Hipoparatireoidismo transitório
Alteração do ritmo menstrual
Impotência sexual (por diminuição de testosterona)
Ginecomastia
Diabetes
Infertilidade
Diminuição da libido
Diminuição dos caracteres sexuais masculinos
ALTERAÇÕES METABÓLICAS
Hipomagnesemia
Hipoglicemia
Hipopotassemia
Cetoacidose
RENAL
Rabdomiólise / Insuficiência Renal Aguda

DERMATOLÓGICO
Pelagra
Afecções secundárias de pele
Eczemas
Queda de cabelo
Aranhas vasculares
Eritema palmar
Dermatite seborréica, rinofima
Prurido
Rubor facial
Ecmoses
Xerodermia
ALTERAÇÕES NUTRICIONAIS
Deficiências vitamínico-minerais
Deficiências protéicas

As principais comorbidades e/ou complicações psiquiátricas são:

Alterações do sono
Transtorno de personalidade anti-social
Suicídio e ideação suicida
Transtornos depressivos
Transtornos ansiosos


EXAMES LABORATORIAIS

Para complementar a avaliação inicial é necessário que se realize alguns exames laboratoriais com o objetivo de investigar adequadamente as alterações orgânicas decorrentes da dependência do álcool e que influenciam a síndrome de abstinência. Os exames indicados são: o volume corpuscular médio (VCM); os níveis das enzimas hepáticas (TGO,TGO,GGT) e eletrólitos, como o magnésio, o sódio e o potássio.
Para o diagnóstico diferencial das complicações podem ser solicitados outros exames: radiografia ou ultrassonagrafia de tórax, abdome e/ou crânio ou tomografia computadorizada de crânio.


TRATAMENTO DA SAA:

Os objetivos do tratamento da síndrome de abstinência do álcool são:
1. o alívio dos sintomas existentes;
2. a prevenção do agravamento do quadro com convulsões e delirium;
3. a vinculação e engajamento do paciente no tratamento da dependência propriamente dita;
4. a possibilidade de que o tratamento adequado da SAA possa prevenir a ocorrência de síndromes de abstinência mais graves no futuro.

Tratamento ambulatorial:

A atitude do profissional de saúde deve ser acolhedora, empática e sem preconceitos. O tratamento da SAA (quadro agudo) é um momento privilegiado para motivar o paciente para o tratamento da dependência (quadro crônico). Deve-se esclarecer a família e, sempre que possível, o próprio paciente sobre os sintomas apresentados, sobre os procedimentos a serem adotados e sobre as possíveis evoluções do quadro. Deve ser propiciado ao paciente e à família o acesso facilitado a níveis mais intensivos de cuidados (serviço de emergência, internação) em casos de evolução desfavorável do quadro. É importante ainda reforçar a necessidade de comparecimento nas consultas remarcadas, que serão tão freqüentes quanto possível, nos primeiros 15 dias do tratamento.

Abordagem não-farmacológica:

• Orientação da família e do paciente quanto à natureza do problema, tratamento e possível evolução do quadro;
• Propiciar ambiente calmo, confortável e com pouca estimulação audiovisual;
• A dieta é livre, com atenção especial à hidratação;
• O paciente e a família devem ser orientados sobre a proibição do ato de dirigir veículos;
• As consultas devem ser marcadas o mais brevemente possível para reavaliação.

Abordagem farmacológica:

• Reposição vitamínica: tiamina intramuscular, nos primeiros 7-15 dias; após este período a via é oral. Doses de 300mg/dia de tiamina são recomendadas com o objetivo de evitar a Síndrome de Wernicke, que cursa com ataxia, confusão mental e anormalidades de movimentação ocular extrínseca (esta última, nem sempre presente);
• Benzodizepínicos (BDZs): a prescrição deve ser baseada em sintomas. Dessa forma, as doses recomendadas são as que, em média, o paciente pode receber num determinado dia. O paciente e os familiares devem ser informados a respeito dos sintomas a serem monitorados e orientados sobre a conveniência de utilizar a maior dosagem da medicação à noite. Se houver qualquer sintoma de dosagem excessiva de BZD, como sedação, deve-se proceder a interrupção da medicação.
Diazepam: 20mg via oral (VO) por dia, com retirada gradual ao longo de uma semana OU Clordiazepóxido: até 100mg VO por dia, com retirada gradual ao longo de uma semana.
Nos casos de hepatopatias graves: Lorazepam: 4mg VO por dia, com retirada gradual em uma semana.

Ocorrendo falha (recaída ou evolução desfavorável) dessas abordagens, a indicação de ambulatório deve ser revista, com encaminhamento para modalidades de tratamento mais intensivas.

Internação domiciliar

O paciente deve permanecer restrito em sua moradia, com a assistência dos familiares.

Abordagem não-farmacológica:
• A orientação da família deve ter ênfase especial em questões relacionadas à orientação têmporo-espacial e pessoal, níveis de consciência, tremores e sudorese;
• Propiciar ambiente calmo, confortável e com pouca estimulação audiovisual;
• A dieta é leve, desde que tolerada, com atenção especial à hidratação;
• Visitas devem se restritas, assim como a circulação do paciente.




Abordagem farmacológica:
• Reposição vitamínica: a mesma recomendada para o tratamento ambulatorial;
• Benzodiazepínicos (BDZs): a prescrição deve ser baseada em sintomas. Dessa forma, as doses recomendadas são as médias que o paciente pode atingir num determinado dia; o paciente e os familiares devem ser informados a respeito dos sintomas a serem monitorados e orientados sobre a conveniência de utilizar a maior dosagem da medicação à noite. Deve-se ressaltar que a dose adequada é aquela que diminui os sintomas da abstinência, e que, portanto, em algumas situações, doses muito maiores do que esta recomendada podem ser indicadas.
Diazepam: 40 mg via oral (VO) por dia, com retirada gradual ao longo de uma semana; OU Clordiazepóxido: 200mg VO por dia, com retirada gradual ao longo de uma semana. Nos casos de hepatopatias graves: Lorazepam: 8mg VO por dia, com retirada gradual em uma semana.
Na recaída ou evolução desfavorável, está indicado o tratamento hospitalar.

Tratamento hospitalar

Esta modalidade é reservada aos casos mais graves, que requerem cuidados mais intensivos. Doses mais elevadas de BZDs são geralmente necessárias e sua prescrição deve ser baseada em sintomas avaliados de hora em hora. Deve ser dada atenção especial à hidratação e correção de distúrbios metabólicos (eletrólitos, glicemia, reposição vitamínica). Em alguns casos, a internação parcial (hospital dia ou noite) pode ser indicada, e, nestes casos, a orientação familiar sobre a necessidade de comparecimento diário deve ser reforçada e a retaguarda para emergências deve ser bem esclarecida. A utilização de “bafômetro”, quando esse recurso está disponível, pode ser feita na chegada do paciente na unidade.

Abordagem não-farmacológica:
• Monitoramento do paciente deve ser freqüente, com aplicação da escala Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol, Revised - CIWA-Ar (anexo 1), que orienta a avaliação do paciente em relação à gravidade da SAA e a necessidade de administração de medicamentos.
• A locomoção do paciente deve se restrita.
• As visitas devem ser limitadas, pois o ambiente de tratamento deve ser calmo, com relativo isolamento, de modo a ser propiciada uma redução nos estímulos audiovisuais.
• A dieta deve ser leve, quando aceita. Pacientes com confusão mental devem permanecer em jejum, pois existe o risco de aspiração e complicações respiratórias. Nesses casos, deve ser utilizada a hidratação por meio de 1.000 ml de solução glicosada 5%, acrescida de 20ml de NaCl 20% e 10ml de KCl 19,1%, a cada 8 horas.

O que NÃO fazer:

• A administração de glicose, indiscriminadamente, por risco de ser precipitada a síndrome de Wernicke. A glicose só deve ser aplicada parenteralmente após a administração de tiamina;

Nenhum comentário:

Postar um comentário