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segunda-feira, 10 de junho de 2013

Síndrome de Abstinência ao Álcool


CONCEITO
A síndrome de abstinência do álcool (SAA) é um

conjunto de sinais e sintomas de desconforto físico

e psíquico que acompanha a redução e/ou a

diminuição da dose usual de consumo.
BASES NEUROBIOLÓGICAS
A SAA é resultado de um processo neuroadaptativo

(quadro 1.1). O sistema nervoso central funciona





de maneira equilibrada, por meio de um padrão


definido pela genética e pelo desenvolvimento

neuropsicomotor de cada indivíduo.

A presença constante e prolongada do álcool

compromete tal estado (figura 1.1), fazendo com que





o sistema nervoso lance mão de mecanismos de
neuroadaptação (quadro 1.2), para restabelecer a





homeostase habitual.


Este novo padrão de funcionamento neuroadaptado

considera a presença constante da substância e se

aproxima bastante do equílibrio habitual do indivíduo.

Desse modo, pode-se entender porque a maioria dos

dependentes não bebe para ‘encher a cara’ ou ‘ficar

bêbado’, mas apenas para obter a dose necessária para a mantenção do equilíbrio cerebral, a partir do qual será

capaz de realizar suas tarefas físicas e cognitivas habituais, algumas vezes com bastante eficiência.

A neuroadaptação à presença do álcool torna o SNC mais sensível à redução ou ausência do mesmo. Assim, as

neuroadaptações, serão a causa dos sintomas de desconforto físico e mental frente a falta do álcool, conhecidos por

síndrome de abstinência (figura 1.2). Enquanto o álcool estava presente, o mesmo tamponava o sistema glutamato

e os canais de cálcio (sensibilizados) e estimulava o sistema GABA (desensibilizado) (quadro 1.1). Com a sua saída,





o sistema glutamato, mais sensível e forte que GABA, começa a disparar e a estimular o sistema nervoso como um


todo: eis o início dos sintomas de abstinência.
QUADRO 1.1: MECANISMO DE NEUROADAPTAÇÃO




ALCOÓLICA

SISTEMA GABA
O álcool atua como agonista gabaérgico direto, particularmente na

sub-unidade GABA-A. Como o sistema GABA está difusamente

espalhado pelo SNC, o efeito agudo (inicial) do consumo de álcool é

ansiolítico e sedativo.

A presença constante e prolongada do álcool leva ao surgimento de

neuroadaptações, visando a equilibrar os efeitos agudos e crônicos

do álcool sobre o SNC. Deste modo, ocorre uma downregulation




dos receptores GABA. O resultado é uma diminuição na sensibilidade


do sistema.
SISTEMA GLUTAMATO
O álcool atua como antagonista glutamatérgico direto. Ao contrário do

sistema GABA, o sistema glutamato é excitatório, envolvido em funções

cognitivas como atenção e memória. A fim de compensar a ação

inibitória do álcool sobre este sistema, há uma upregulation dos





receptores glutamato. Tais modificações deixam o sistema ‘mais


irritável’, com redução do limiar convulsivo.
PROTEÍNAS DOS CANAIS DE CÁLCIO
Toda a vez que um neurônio é ativado eletricamente, o cálcio flui para

dentro da célula através de proteínas denominadas canais de cálcio.





Parte do controle sobre tais canais é realizado pelos sistemas GABA


(inibitório) e glutamato (excitatório).

Frente ao uso prolongado de álcool, ocorre uma upregulation dos





canais de cálcio, visando a compensar lentificação do sistema. Tal


adaptação acabar por deixar o sistema mais sensível e irritável frente

a redução ou interrupção do consumo de bebidas alcoólicas.

FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol withdrawal syndrome.





Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 149-56.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 1
ÁLCOOL

ADAPTAÇÃO ÁLCOOL

ADAPTAÇÃO
ABSTINÊNCIA

CONSUMO DE

ÁLCOOL

EFEITOS

AGUDOS

NEUROADAPTAÇÃO
[OPOSIÇÃO & PREJUÍZO]
TOLERÂNCIA

AOS EFEITOS

DO ÁLCOOL

DIMINUIÇÃO OU

INTERRUPÇÃO

DO ÁLCOOL

SÍNDROME DE

ABSTINÊNCIA

RECUPERAÇÃO DAS

NEUROADAPTAÇÕES

SNC EM

EQUILIBRIO
[HOMEOSTASE]
QUADRO 1.2: TIPOS DE NEUROADAPTAÇÃO

NEUROADAPTAÇÃO DE PREJUÍZO [TOLERÂNCIA]
A adaptação de prejuízo consiste no desenvolvimento de mecanismos

que dificultam a ação da droga sobre as células, tais como redução

do número / sensibilidade dos receptores à substância em questão

ou aumento da eficiência do corpo na metabolização e eliminação

da droga. A partir dessas modificações, a quantidade habitual de

droga consumida não provocará no usuário os efeitos positivos que

buscava, fazendo o usuário buscar doses maiores ou vias de

administração mais efetivas fenômeno conhecido por tolerância.
NEUROADAPTAÇÃO DE OPOSIÇÃO [SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA]
Apesar de também causar tolerância, a adaptação de oposição está

relacionada ao aparecimento da síndrome de abstinência nos

dependentes de substâncias psicoativas. A adaptação de oposição

consiste num mecanismo para derrotar os efeitos da presença da

droga através da instituição de uma força oponente dentro da célula.

Este tipo de alteração tem claramente um potencial, quanto exposto

à remoção da droga, de produzir transtornos funcionais na direção

oposta àquela causada originalmente pela droga.

FIGURA 1.1: A hipótese de Himmelsbach (1941) para a dependência do álcool. O sistema nervoso central funciona em homeostase (equilíbrio).





O consumo de álcool produz alterações a partir de seus efeitos agudos. Frente ao uso freqüente e prolongado da substância, o organismo provoca


neuroadaptações (oposição e prejuízo), com a finalidade de recuperar o equilíbrio perdido. Nessa fase, os efeitos do álcool para dose habitualmente

consumida estão diminuídos (tolerância). Com a interrupção do consumo, a adaptação emerge, fazendo surgir uma sintomatologia no sentido

oposto aos efeitos do álcool. É a síndrome de abstinência, que durará enquanto o equilíbrio anterior (sem álcool) não for restabelecido.

FONTE: Littleton J. Neurochemical mechanisms underlying alcohol withdrawal. Alcohol World Health Res 1998; 22(1): 13-24.




Segundo Littletton & Harper (1994), “a tolerância implica


na capacidade da célula de se adaptar à presença dos

agentes farmacológicos em seu ambiente para

reassumir uma função relativamente normal. Em outras

palavras, uma concentração mais alta da droga será

necessária para produzir as mesmas perturbações

funcionais que foram produzidas na primeira exposição

da célula à droga”. Isso é diferente da resistência à

droga: as bactérias resistentes aos antibióticos

funcionam normalmente com ou sem a presença destas

substâncias. Os antibióticos não as afetam

bioquimicamente. Dessa forma, os autores afirmam

que “a dependência celular implica em adaptação à

presença da droga, mas nesse caso a adaptação é tão

severa que a célula não pode funcionar normalmente

na ausência desta substância. Assim, uma perturbação

funcional (síndrome de abstinência) ocorrerá quando

da remoção da droga”.

FONTE: Littleton JM, Harper JC. Tolerância e dependência celular.





In: Edwards G, Lader M. A natureza da dependênciad de drogas.


Porto Alegre: Artmed, 1994.
2 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.

FIGURA 1.2: Os efeitos do álcool durante a exposição e a abstinência. A linha-zero representa uma medida hipotética de





excitabilidade global do cérebro. De acordo com as principais parâmetros fisiológicos ou comportamentais, a administração


aguda de álcool produz um quadro estimulante de curta duração (pequena elevação acima da linha-zero), seguido por depressão

ou sedação (depressão acentuada abaixo da linha-zero). A administração continuada (uso crônico) causa adaptações neuronais

que reduzem os efeitos perturbadores iniciais do álcool e resultam em tolerância. A dependência física indica que o álcool é

necessário para balancear as adaptações neuronais e manter a função cerebral normal. A diminuição ou remoção do álcool do

corpo induz um rebote de efeito estimulatório, resultando em hiperexcitabilidade do sistema nervoso (síndrome de abstinência).

FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol withdrawal syndrome. Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 149-56.





QUADRO CLÍNICO
A maioria daqueles que desenvolvem a síndrome de abstinência do álcool possui cerca de cinco a dez anos de uso

regular da substância, numa média acima de 2 UI/dia para as mulheres e 3UI/dia para os homens (quadro 1.3). A





intensidade do quadro clínico está diretamente relacionada ao tempo e a quantidade de álcool consumida previamente.
Portanto, conforme ilustrado na figura 1.2, a tolerância aos efeitos do álcool se desenvolve de modo mais precoce e





isoladamente não caracteriza um transtorno relacionado ao consumo de álcool. Já o aparecimento de sintomas de


abstinência devem ser antecedidos por um período considrável de uso perene e acima dos padrões considerados

normais.
(volume da bebida x concentração alcoólica) x 0,8

10 gramas

QUADRO 1.3: Cálculo da Unidade Internacional de Álcool (UI). A operação entre parenteses fornece o volume de álcool em





mililitros (ml). Para se obter o equivalente em gramas de álcool, o produto deve ser multiplicado por 0,8. Uma UI equivale a 10 gramas


de álcool (1 UI = 10 g de álcool), deste modo, o produto da segunda operação deve ser dividido por 10.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 3

FIGURA 1.3: Bases neurobiológicas da sintomatologia da síndrome de abstinência do álcool (SAA). Os sintomas autonômicos, responsáveis pela





apresentação florida e exuberante da SAA, são resultado da ação noradrenérgica intensa, estimulada pelo sistema glutamato em hiperatividade. Os


sintomas confusionais advém da combinação entre a atividade glutamatérgica exacerbada e a gabaérgica nula. Todos os sintomas descritos

anteriormente podem ser potencializados pelo aumento generalizado dos canais de cálcio, deixando o sistema mais sensível e irritável. Quanto

maior a duração e a quantidade do consumo de álcool ao longo dos anos, mais profundas serão as neuroadaptações nos sistemas descritos acima

e por conseguinte, mais numerosos e intensos os sintomas. FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In: Ribeiro M, Marques ACPR. Usuários de





substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP / AMB; 2002.
Nos primeiros tempos, o quadro clínico é eminentemente psíquico e muitas vezes a família e o próprio paciente não

o relacionam ao consumo de álcool. A maior parte dos dependentes (70 - 90%) apresenta uma síndrome de

abstinência entre leve e moderada, caracterizada por tremores, insônia, ansiedade e inquietação psicomotora.

Outros sintomas que podem estar presentes são sudorese, cefaléia, taquicardia, aumento da temperatura e da

pressão arterial, náusea, vômito, midríase, câimbra e dores musculares (todos de natureza autonômica) e alterações

da marcha (ataxia). Psiquicamente, observam-se, além da ansiedade e inquietação, irritabilidade, piora da

concentração e em casos mais sérios, quadros alucinatórios transitórios, sem rebaixamento do nível de consciência

(quadro 1.4). As bases neurobiológicas dos sintomas descritos acima podem ser encontradas na figura 1.3.





HIPOATIVIDADE


DOPAMINÉRGICA
REFORÇO NEGATIVO,

DISFORIA
HIPOATIVIDADE GABAÉRGICA
ANSIEDADE, CONVULSÕES,

HIPERESTIMULAÇÃO GLUTAMATÉRGICA
HIPERATIVIDADE

GLUTAMATÉRGICA
CONFUSÃO MENTAL, ALUCINAÇÕES,

CONVULSÕES
AUMENTO DA DENSIDADE DE

CANAIS DE CÁLCIO
AUMENTO GENERALIZADO DA ATIVIDADE

ELÉTRICA, POTENCIALIZANDO OS EFEITOS

DOS NEUROTRANSMISSORES,

CONTRIBUINDO PARA OS SINTOMAS DA SAA
HIPERATIVIDADE NORADRENÉRGICA
SINTOMAS AUTONÔMICOS, TAIS COMO

TREMORES, SUDORESE, TAQUICARDIA,

MIDRÍASE, AUMENTO DA TEMEPRATURA E DA

PRESSÃO ARTERIAL, ...
SAA
Os tremores são o achado semiológico mais comum na síndrome de abstinência do álcool,




podendo variar desde uma queixa subjetiva por parte do paciente (‘tremores internos’) ,

passando por um quadro discreto e isolado e chegando a tremores intensos e grosseiros,
associados a uma sintomatologia autonômica exacerbada (figura 1.3).


A SAA se inicia cerca de 6 - 48 horas após a última dose e, por ser autolimitada, dura cerca
de 7 a 10 dias, quando todos os sintomas remitem completamente (figura 1.4).
4 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.

FIGURA 1.4: Evolução da SAA. Quadros leves (os mais comuns)





possuem curtíssima duração (cerca de 24 horas) e em geral respondem


apenas a abordagens suportivas (hidratação, alimentação, ...). Quadros

moderados já apresentam sintomas autonômicos pronunciados, além

de sintomas psiquiátricos, tais como alucinações, sem rebaixamento

do nível de consciência. A duração da crise gira em torno de uma

semana. Por volta do terceiro dia, a SAA pode se complicar e evoluir

para um quadro de rebaixamento do nível de consciência, com confusão

mental e sintomas autonômicos intensos, denominado delirium tremens.

FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In: Ribeiro M, Marques





ACPR. Usuários de substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP /


AMB; 2002.
QUADRO 1.5: ESTÁGIOS DA SAA

ESTÁGIO INÍCIO SINAIS & SINTOMAS







(HORAS)
1 6 - 8 tremor, ansiedade,

aumento da freqüência

cardíaca e da PA, náusea,

vômito e cefaléia

2 24 alucinações

3 7 - 48 convulsões tipo GM

4 72 ou + hiperatividade

autonômica,
delirium tremens

FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol withdrawal





syndrome. Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 149-56.
QUADRO 1.4: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA A




SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL (SAA)

ESTADO DE ABSTINÊNCIA (F10.3)

A. Deve haver evidência de interrupção ou redução do uso de





álcool após uso repetido, usualmente prolongado e em


altas doses.

B. Três dos sinais devem estar presentes:

(1) tremores da língua, pálpebras ou das mãos





quando estendidas
(2) sudorese

(3) náusea, ânsia de vômito ou vômito

(4) taquicardia ou hipertensão

(5) agitação psicomotora

(6) cefaléia

(7) insônia

(8) mal-estar ou fraqueza

(9) alucinações visuais, táteis ou auditivas transitórias

(10) convulsão tipo grande mal





Se o delirium está presente, o diagnóstico deve ser estado de


abstinência alcoólica com delirium (delirium tremens) (F10.4),

sem ou com convulsões (F10.40 e F10.41).

FONTE: CID - 10 / ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS).




Os primeiros sintomas aparecem algumas horas após
a redução / interrupção do consumo (quadro 5), sendo





os tremores, a ansiedade e sintomas análogos à


ressaca (náusea, vômito, cefaléia), o quadro mais

comum. Geralmente, respondem bem a abordagens

suportivas e desaparecem em cerca de 24 horas.

Em boa parte dos pacientes, porém, há surgimento

de alucinações transitórias nas primeiras 24 horas.

A crítica sobre a natureza das mesmas é variada,

podendo ser encarada como um sinal de doença ou

contextualizada dentro de um julgamento delirante.

Cerca de 5% dos pacientes não tratados evoluem com

crises convulsivas do tipo grande mal. Noventa por

cento das crises acontecem entre 7 e 48 horas após

a interrupção do consumo de álcool. Há ocorrência

de múltiplas crises em metade dos casos.

Cerca de 5% dos pacientesevolui com confusão

mental, hiperatividade autonômica e agitação

psicomotora, fenômeno denominado delirium tremens




(DM). Cerca de um terço destes são antecedidos por


crises convulsivas. O DM é considerado uma

complicação da SAA. Devido a sua importância, esta

entidade nosológica será tratada adiente com mais

detalhes.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 5
CRITÉRIOS DE GRAVIDADE
Desse modo, além de estabelecer o diagnóstico da SAA, é necessário

estabelecer a gravidade da mesma. Esta pode variar desde desde um

quadro eminentemente psíquico (insônia, irritabilidade, piora das funções

cognitivas) até outros, marcadamente autonômicos, com delirium e crises





convulsivas.
SAA NÍVEL I
Trata-se da SAA leve e moderada. Ela aparece nas primeiras 24 horas

após a última dose. Instala-se em 90% dos pacientes e cursa com

agitação, ansiedade, tremores finos de extremidades, alteração do sono,

da senso-percepção, do humor, do relacionamento interpessoal, do

apetite, sudorese em surtos, aumento da freqüência cardíaca, pulso e

temperatura. Alucinações são raras (quadro 1.6 e 1.12).





SAA NÍVEL II
É a SAA grave. Cerca de 5% dos pacientes evoluem do estágio I para o

II. Isso se dá cerca de 48 horas da última dose. Os sinais autonômicos

são mais intensos, os tremores generalizados, apresentam alucinações

auditivas e visuais e desorientação temporo-espacial (quadro 1.7 e 1.12).





TRATAMENTO
Indivíduos com SAA podem ser tratados com eficácia e segurança tanto

em hospitais ou clínicas (internação), quanto em ambulatórios. Não existe,

porém, um conjunto de critérios capaz de indicar com precisão qual dos

ambientes é o mais adequado.

A desintoxicação ambulatorial é menos dispendiosa e mais confortável

para o paciente, respeita sua rotina e favorece a permanência deste em

seu grupo de convívio. Além disso, a grande maioria dos casos é leve ou

moderada (nível I de gravidade), com evolução benigna.

No entanto, algumas complicações clínicas da SAA colocam seus

portadores sem sério risco de morte e são indicação inconteste de

internação. Tais complicações, porém, podem estar ausentes nas primeiras

horas da SAA, fazendo com que o médico a tome por leve e indique o

tratamento ambulatorial erroneamente.
QUADRO 1.7: SAA NÍVEL II




QUADRO CLÍNICO
Tremores grosseiros de extremidades

Inquietação psicomotora intensa

Sudorese profusa

Cefaléia

Náusea com vômito

Crise convulsiva (recente ou pregressa)
EXAME PSÍQUICO
Piora da orientação no tempo e espaço

Juízo crítico da realidade alterado

Ansiedade intensa

Pensamento desorganizado

Alucinações visuais, auditivas e/ou táteis
INDICAÇÃO DE TRATAMENTO
Internação até a remissão dos sintomas.
QUADRO 1.6: SAA NÍVEL I




QUADRO CLÍNICO
Tremores finos de extremidades

Inquietação psicomotora (geralmente leve)

Sudorese facial discreta

Cefaléia

Náusea sem vômito
EXAME PSÍQUICO
Orientado no tempo e espaço

Juízo crítico da realidade mantido

Levemente ansioso
INDICAÇÃO DE TRATAMENTO
Tratamento ambulatorial com retornos

diários ou em dias alternados.

FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In:





Ribeiro M, Marques ACPR. Usuários de


substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP

/ AMB; 2002.

FONTE: Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In:





Ribeiro M, Marques ACPR. Usuários de


substâncias psicoativas. São Paulo: CREMESP

/ AMB; 2002.
6 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
QUADRO 1.8: INDICAÇÕES RELATIVAS PARA




DESINTOXICAÇÃO DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO

ÁLCOOL EM REGIME FECHADO.
Histórico de síndromes de abstinência consideradas graves
Histórico de convulsões durante a síndrome abstinência e/ou delirium.




Múltiplas desintoxicações anteriores

Presença de comorbidades clínicas e / ou psiquiátricas

Consumo de álcool em altas doses nos últimos tempos

Carência de suporte social adequado

Gravidez

FONTE: Myrick H, Anton RE. Treatment of alcohol withdrawal. Alcohol World





Health Res 1998; 22(1): 38-43.
Mesmo não sendo possível estabelecer um

protocolo seguro para a indicação do ambiente de

tratamento da SAA, algumas considerações podem

nortear o trabalho do médico neste sentido.
Sempre que possível, o tratamento ambulatorial

deve ser indicado. Obviamente, tal conduta deve





ser seguida de um encaminhamento rápido e


garantido para o serviço ambulatorial de referência

(encaminhar o paciente do PS para algum serviço

ambulatorial que ele e sua família vão ver se tem

vaga, é uma negligência médica). Além disso, as

primeiras intervenções clínicas devem ser feitas

pelo médico responsável pelo encaminhamento.

Alguns dados da história (quadro 1.8) auxiliam esta tomada de decisão. Assim, pacientes em primeiro episódio, sem





histórico de consumo extremamente pesado de álcool, sem complicações clínicas ou psiquiátricas e com um bom
suporte social, podem ser tratados em casa. O comparecimento ao ambulatório é diário, visando à detecção rápida





de qualquer piora na evolução da SAA. Além disso, a família deve


ser orientada (de preferência por escrito) acerca dos principais sinais

e sintomas sugestivos de má evolução do quadro e orientada a retornar

ao ambulatório prontamente ou procurar um serviço de emergência.
Tratamento clínico suportivo
A SAA, com freqüência, vem acompanhada por alguns distúrbios ou

patologias (quadro 1.9 e 1.10), capazes de simular e/ou exacerbar





seus sinais e sintomas ou ainda comprometer a boa evolução do


tratamento. Deste modo, o cuidado suportivo visa ao tratamento de

tais enfermidades e à melhora do estado nutricional dos pacientes.

Todas as patologias associadas à SAA podem ser detectadas a partir

da anamnese / exame físico e confirmadas por exames laboratoriais

e de imagem (vide em delirium tremens - quadro 2.9).





Manejo não-farmacológico
O tratamento clínico suportivo não-farmacológico consiste na

construção de uma ambiente continente e provedor de poucos

estímulos sensoriais, ou seja, um ambiente quieto, à meia luz, com

pouca interação pessoal, reasseguramento por parte da equipe e

oferta / reposição de líquidos e nutrientes. Tal procedimento é suficiente para 75% dos pacientes (síndrome de

abstinência leve - quadro 1.12). No entanto, não há critérios objetivos para sua indicação


QUADRO 1.9: PATOLOGIAS COMUMENTE





ENCONTRADAS EM PACIENTES COM SAA.
* Desidratação

* Distúrbios hidroeletrolíticos
(sódio, potássio e magnésio)
* Desnutrição

* Deficiência de vitaminas do complexo B
(tiamina e ácido fólico)
* Hipoglicemia / Diabetes

* Eplepsia
(quadros pós-ictais)
* Parkinsonismo

* Demência

* Hipo / Hipertermia

* Hipertensão arterial sistêmica

* Anemia carenciais (megaloblástica)
(macrocítica - hipocrômica)
* Arritmiascardíacas

* Insuficiência cardíaca congestiva

* Hemorragia digestiva alta

* Hepatopatias
(hepatite, esteatose, cirrose)
* Pancreatite alcoólica

* Doenças infecciosas
(p.e. tuberculose, sepsis, broncopneumonia)

FONTE: Trevisan LA, Boutros N, Petrakis IL, Krystal





JH. Complications of alcohol withdrawal. Alcohol


World Health Res. 1998; 22(1): 61-6.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 7
QUADRO 1.10: COMPLICAÇÕES CLÍNICAS




POSSÍVEIS DURANTE A SAA

ALTERAÇÕES NO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE
A hiperventilação, associada ao aumento dos

níveis de catecolaminas pode levar à alcalose

respiratória. Por sua vez, vômitos repetidos

(expoliação de HCl) podem provocar alcalose

metabólica.





ALTERAÇÕES NO EQUILÍBRIO


HIDRO-ELETROLÍTICO
A ocorrência de vômitos repetidos, diarréia e

sudorese excessiva provocam depleção do

líquidoextracelular deixando o indivíduo mais

suceptível a apresentar hiponatremia e

hipocalemia. No primeiro caso, há ocorrência





de mialgias, câimbras e convulsões; no segundo


hiporreflexia, fraqueza muscular e alterações

específicas do ECG.

Pacientes com SAA apresentam com freqüência

hipomagnesemia. Há uma relação de





causalidade direta entre os níveis de magnésio e


a ocorrência de convulsões e delirium. Deste

modo, é importante diagnosticar prontamente tal

carência e providenciar sua reposição logo no

início do tratamento suportivo.
HIPOVITAMINOSES
Usuários crônicos de álcool tendem a apresentar

carência de vitaminas, especialmente as

hidrossolúveis. As causas principais de tal

fenômeno são a baixa ingestão de alimentos e a

má-absorção de vitaminas do complexo B pelo

aparelho digestivo, devido à baixa produção de

fator intrínseco.
Ácido fólico (B9)
A carência de ácido fólico leva à anemia

megaloblástica em um curto espaço de tempo.

Os sintomas comuns desta deficiência são o

cansaço e a perda de energia e de vontade. Pode

ocorrer uma sensação de boca e lingua doridas.
Tiamina (B1)
A deficiência marginal é acompanhada de

irritabilidade e piora da concentração, evoluindo

na franca para a síndrome de Wernicke-

Korsakoff e neuropatias periféricas.

FONTE: Erazo GAC, Pires MCB. Manual de





urgências em pronto-socorro. Rio de Janeiro: Medsi;


2000.
exclusiva. Além disso o uso da farmacoterapia desde o início pode

proteger o paciente de complicações neurotóxicas, tais como

convulsões e kindling. Além disso, permite ao mesmo receber alta





hospitalar em um espaço de tempo bem menor.
Manejo clínico suportivo farmacológico
O tratamento farmacológico para a SAA consiste na administração

de substâncias capazes de aliviar o quadro de hiperatividade

glutamatérgica e hipoatividade gabaérgica resultantes da

neuroadaptação à presença constante do álcool no SNC. Tais

medicamentos possuem tolerância cruzada com o álcool, por agirem

nos mesmos receptores (GABA-A) (figura 1.4). Deste modo, aliviam





de imediato os sintomas de abstinência e sua retirada gradual permite


uma readaptação paulatina do sistema nervoso central (SNC) à

abstinência alcoólica.

FIGURA 1.4: Receptor GABA. Assim como o álcool, os





benzodiazepínicos (BDZ) também possuem sítios de ligação no receptor


GABA-A. Como agem sobre o mesmo receptor, possuem tolerância

cruzada. Desse modo, os BDZ podem ser utilizados para estimular o

sistema GABA durante o período mais crítico da síndrome de abstinência.

Sua retirada gradual possibilita uma readaptação paulatina do sistema

nervoso à ausência do álcool. FONTE: Mihic SJ, Harris RA. GABA and





the GABA-A receptor. Alcohol World Health Res 1997; 21(2): 127-31.
álcool

BDZ

barbitúrico
8 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
QUADRO 1.11: PARÂMETROS TERAPÊUTICOS DOS BENZODIAZEPÍNICOS (BDZ).




BDZ Meia-vida Dose terapêutica Dose-equivalência
(tempo de ação) (horas) (miligramas) (diazepam 10mg)
muito curta
Midazolam 1 - 2 7,5 - 30 15 mg
(Dormonid)
curta
Alprazolam 6 - 20 0,75 - 4 1 mg
(Frontal, Apraz)
Bromazepam 6 - 20 1,5 - 18 6 mg
(Lexotan)
Lorazepam 9 - 22 2 - 6 2 mg
(Lorax)
intermediária
Clordiazepóxido 10 - 30 15 - 100 25 mg
(Psicosedin)
Clonazepam 20 - 40 1 - 6 2 mg
(Rivotril)
Diazepam 14 - 60 5 - 40 10 mg
(Valium)

FONTE: Hollister LE, Csernansky: Clinical Pharmacology of Psychoterapeutic Drugs. New





York: Churchill Livinstone, 1990.
clordiazepóxido

desmetilclordiazepóxido demoxepam nordiazepam oxazepam
c

o

n

j

u

g

a

ç

ã

o
diazepam temazepam

lorazepam
desalquilação desalquilação desalquilação

oxidação redução hidroxilação

FIGURA 1.5: Processo de metabolização hepática dos benzodiazepínicos. Substâncias como o clordiazepóxido e o diazepam possuem metabólitos





ativos e passam por várias etapas até a conjugação. Desse modo, demandam mais trabalho por parte do fígado. O lorazepam e o oxazepam (este


último indisponível no Brasil) não possuem metabólitos ativos e passam apenas pela conjugação. Por isso, estão indicados para situações de

insuficiência hepática. FONTE: Hollister LE, Csernansky: Clinical Pharmacology of Psychoterapeutic Drugs. New York: Churchill Livinstone, 1990.

Os benzodiazepínicos (BDZ) são o tratamento de escolha consensual e devem ser administrados tão logo o

diagnóstico seja estabelecido. Todos os BDZ podem ser utilizados, mas o diazepam e o clordiazepóxido são os

mais aconselháveis, por possuírem meia-vida prolongada (quadro 1.11) e serem mais utilizados no tratamento da

SAA. Em pacientes com insuficiência hepática, a dose deve ser adaptada ou então BDZ que passam apenas pela

conjugação hepática (figura 1.5) devem ser escolhidos. No Brasil, o lorazepam é o único com estas características





disponível comercialmente .


Os BDZ devem ser administrados

preferencialmente por via oral. A

administração intramuscular é

errática para o diazepam e

clordiazepóxido. O mesmo não

ocorre com o lorazepam, mas





sua apresentação injetável não


está disponível no Brasil. O uso

endovenoso deve ser feito em

último caso, de forma lenta,

observando o padrão respiratório

do indivíduo. Os BDZ precipitam

no soro fisiológico e por isso não

devem ser prescritos desta forma.
Farmacoterapia para a

síndrome de abstinência leve
Os pacientes que apresentam

uma forma leve / moderada de

tremores, transpiração,
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 9
QUADRO 1.12: CLINICAL WITHDRAWAL




ASSESSMENT REVISED (CIWA-AR)
1. VOCÊ SENTE UM MAL-ESTAR NO ESTÔMAGO




(ENJÔO)? VOCÊ TEM VOMITADO?

0 NÃO

1 NÁUSEA LEVE, SEM VÔMITO

4 NÁUSEA RECORRENTE, COM ÂNSIA DE VÔMITO

7 NÁUSEA CONSTANTE, COM VÔMITO


2. TREMOR NOS BRAÇOS ESTENDIDOS E NOS





DEDOS SEPARADOS.

0 NÃO

1 NÃO VISÍVEL, MAS SENTE

4 MODERADO, COM OS BRAÇOS ESTENDIDOS

7 SEVERO, COM OS BRAÇOS ESTENDIDOS


3. SUDORESE

0 NÃO

1 DISCRETA, MAIS EVIDENTE NA PALMA DA MÃO

4 FACIAL

7 PROFUSA


4. TEM SENTIDO COCEIRAS, SENSAÇÃO DE





INSETOS ANDANDO PELO CORPO,

FORMIGAMENTOS, PINICAÇÕES?
5. VOCÊ TEM OUVIDO SONS A SUA VOLTA? ALGO




PERTURBADOR, SEM DETECTAR NADA POR

PERTO?
6. AS LUZES TÊM PARECIDO MUITO




BRILHANTES? DE CORES DIFERENTES? VOCÊ

TEM VISTO ALGO QUE LHE TEM PERTURBADO?

VOCÊ TEM VISTO COISAS QUE NÃO ESTÃO

PRESENTES?
PARA RESPONDER ÀS PERGUNTAS 4, 5 E 6

0 NÃO

1 MUITO LEVE

2 LEVE

3 MODERADO

4 ALUCINAÇÕES MODERADAS

5 ALUCINAÇÕES GRAVES

6 ALUCINAÇÕES EXTREMAMENTE GRAVES

7 ALUCINAÇÕES CONTÍNUAS





7. VOCÊ SENTE NERVOSO?
OBSERVAÇÃO DO ENTREVISTADOR

0 NÃO

1 MUITO LEVE

4 LEVEMENTE

7 ANSIEDADE GRAVE, EM ESTADO DE PÂNICO





8. VOCÊ SENTE NA CABEÇA? TONTURA, DOR,


APAGAMENTO?

0 NÃO

1 MUITO LEVE

2 LEVE

3 MODERADO

4 MODERADO/GRAVE

5 GRAVE

6 MUITO GRAVE

7 EXTREMAMENTE GRAVE





9. AGITAÇÃO
0 NORMAL

1 UM POUCO MAIS QUE A ATIVIDADE NORMAL

4 MODERADAMENTE

7 CONSTANTE





10. QUE DIA É HOJE? ONDE VOCÊ ESTÁ?


QUEM SOU EU?
OBSERVAÇÃO DO ENTREVISTADOR

0 ORIENTADO

1 INCERTO SOBRE A DATA, RESPOSTA INSEGURA

4 DESORIENTADO COM DATA, NÃO MAIS QUE 2





DIAS
3 DESORIENTADO COM DATA, MAIS QUE 2 DIAS

7 DESORIENTADO COM O LUGAR E A PESSOA





0 - 9 SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA LEVE


10 - 18 SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA MODERADA

19 - 70 SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA GRAVE

FONTE: Sullivan JT, Sykora K, Schneiderman J, Naranjo CA,





Sellers EM. Assessment of alcohol withdrawal: the Clinical


Institute Withdrawal Assessment Alcohol Scale (CIWA-AR). Br

J Addict 1989; 84: 1353-7.
palpitação, inquietação, perda do apetite, naúsea e vômito

(quadro 1.12), podem fazer a desintoxicação ambulatorialmente,





comparecendo à clínica ou hospital para serem acompanhados pelo


médico responsável. Os retornos devem ser diários e as consultas,

breves (15 - 20 minutos). Os parâmetros de eficácia do tratamento

são a melhora progressiva dos sintomas da síndrome de abstinência

e a ausência de sedação excessiva ao longo da desintoxicação.

Geralmente, quando a retirada é muito rápida, os sintomas reaparecem

em algum grau. Por outro lado, quando se mostra lenta, o paciente

começa a se sentir sedado com doses que outrora lhe deixavam

tranqüilo e vigil.

A dose inicial de BDZ dependerá da intensidade dos sintomas e da

experiência do profissional. Habitualmente, a dose preconizada varia

de 20 - 40 mg de diazepam ao dia, divididos em duas ou mais tomadas

(quadro 1.13). A reposição de vitamínica deve ser feita inicialmente





por via intramuscular, devido à baixa produção de fator intrínseco


pela mucosa gástrica. A partir do décimo dia, pode passar a ser feita

por via oral. A farmacoterapia da SAA grave será abordada no capítulo

sobre o delirium tremens, a seguir.


QUADRO 1.13: PRESCRIÇÃO PARA PACIENTES COM SAA LEVE





(NÃO COMPLICADA) EM TRATAMENTO AMBULATORIAL.
1. Dieta leve

2. Oferecer líquidos à vontade

3. Diazepam 10 mg (VO) (1)




1 comprimido às 8 horas

1 comprimido às 14 horas

2 comprimidos às 20 horas

Diminuir 1/2 comprimido a cada dois dias
4. Tiamina 100mg (IM)




1 ampola por 10 dias
A partir do 11° dia: 1 cp de 300mg (VO) às refeições

5. Ácido fólico 5 mg (VO)




1 comprimido às refeições
6. Propiciar um ambiente calmo, confortável, com pouca




estimulação de luz e som.
7. Proibido dirigir autos/motos ou operar máquinas.

8. Retornos diários ao ambulatório.

9. Procurar um serviço de emergência em caso de piora importante




dos tremores, sudorese, freqüência dos vômitos, inquietação

ou se houver surgimento de alucinações e/ou desorientação .

FONTE: Laranjeira R, Jerônimo C, Marques ACPR et al. Consenso sobre a





SAA e seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr 2000; 22(2): 62-71.
(1)A prescrição de BDZ depende da gravidade dos sintomas. A dose inicial




deve estar entre 20 e 40 mg. A presença de sintomas ou de sedação são

os parâmetros para o aumento ou diminuição da dose. Assim que se

encontrar uma dose estável, ou seja, aquela que elimina todos os sintomas

sem sedar o paciente, a mesma deve ser descontinuada ao longo de 7 a10
dias. A prescrição de clordiazepóxido ou lorazepam deve ser feita na

dose-equivalência de diazepam prescrita (quadro 11).
10 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Erazo GAC, Pires MCB. Manual de urgências em pronto-socorro. Rio de Janeiro: Medsi; 2000.

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Hollister LE, Csernansky: Clinical Pharmacology of Psychoterapeutic Drugs. New York: Churchill Livinstone, 1990.

Laranjeira R, Nicastri S, Jerônimo C, Marques ACPR. Consenso sobre a Síndrome de Abstinência do Álcool (SAA)

e o seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr 2000, 22(2): 62-71.

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drogas. Porto Alegre: Artmed, 1994.

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Maciel C, Kerr-Corrêa F. Complicações psiquiátricas do uso crônico do álcool: síndrome de abstinência e outras

doenças psiquiátricas. Rev Bras Psiquiatr 2004; 26(supl. 1): 47-50.

Marques ACPR, Ribeiro M. Álcool. In: Ribeiro M, Marques ACPR. Usuários de substâncias psicoativas. São Paulo:

CREMESP / AMB; 2002.

Organização Mundial da Saúde (OMS). Classificação dos Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 -

descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed; 1993.

Sullivan JT, Sykora K, Schneiderman J, Naranjo CA, Sellers EM. Assessment of alcohol withdrawal: the Clinical

Institute Withdrawal Assessment Alcohol Scale (CIWA-AR). Br J Addict 1989; 84: 1353-7.

Trevisan LA, Boutros N, Petrakis IL, Krystal JH. Complications of alcohol withdrawal. Alcohol World Health Res.

1998; 22(1): 61-6.

Vaillant G. História natural do alcoolismo. Porto Alegre: Artmed; 1999.

Zaleski M, Morato GS, Silva VA, Lemos T. Aspectos neurofarmacológicos do uso crônico e da síndrome de abstinência

do álcool. Rev Bras Psiquiatr 2004; 26(supl. 1): 40-2.
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 11

12 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
2. DELIRIUM TREMENS E OUTRAS COMPLICAÇÕES DA




SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
COMPLICAÇÕES DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL (SAA)
Conforme o capítulo anterior, os casos de síndrome de abstinência do

álcool são em sua maior parte leves, de evolução benigna, podendo

ser tratados com eficácia e segurança ambulatorialmente. No entanto,

uma pequena parte destes pode complicar, com piora e exacerbação

dos sintomas de abstinência e / ou com aparecimento de convulsões e

rebaixamento do nível de consciência (quadro 2.1). São sinais que





requerem atenção por parte do médico, uma vez que o tratamento


frente a estas situações é relativamente simples e seguro, mas a mortalidade entre os casos não tratados pode

chegar a 20%.
CONVULSÕES RELACIONADAS À SINDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
Cerca de 10 a 15% de usuários de álcool apresentam crises convulsivas, tipo grande mal durante seus períodos de

abstinência. O consumo do álcool diminui o limiar convulsivo, mas deve ser utilizado por longos períodos para

desencadea-las (sugere-se pelo menos 5 anos de uso contínuo). Em mais de 90% dos casos, ocorrem entre 7

e 38 horas após a última dose, com pico após 24 horas (figura 2.1). Em 40% dos casos, as crises ocorrem





isoladamente. Nos pacientes que apresentam mais de uma crise, elas ocorrem geralmente em número limitado.


Metade das tomografias de crânio de pacientes acometidos apresentam algum tipo de lesão estrutural e um terço

desses pacientes apresentam sinais neurológicos focais ao exame físico.

Indivíduos com história prévia de epilepsia

ou lesão do SNC estão mais predispostos

a este tipo de complicação. Além disso,

convulsões durante a SAA podem indicar

a presença de outras alterações, tais como

hipomagnesemia, hipoglicemia, alcalose

respiratória, aumento do sódio intracelular

e traumatismo com hemorragia

intracraniana.
Um terço das convulsões não tratadas

evoluem para o delirium tremens. Desde





modo, é fundamental que todas as crises
QUADRO 2.1: PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES




DA SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL
* Convulsões

* Síndrome de Wenicke-Korsakoff
* Delirium tremens

FONTE: Finn DA, Crabbe JC. Exploring alcohol





withdrawal syndrome. Alcohol World Health Res


1997; 21(2): 149-56.

FIGURA 2.1: Relação entre a interrupção do consumo de álcool e a incidência de





sintomas de abstinência e suas complicações. FONTE: Trevisan LA, Boutros N, Petrakis


IL, Krystal JH. Complications of alcohol withdrawal. Alcohol World Health Res. 1998;

22(1): 61-6.
70

60

50

40

30

20

10

0

1 2 3 4 5 6 14
Incidência dos casos (%)

Dias após parar de beber
convulsões

hiperatividade autonômica e / ou confusão mental

tremores
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 13
convulsivas sejam tratadas. Pacientes sem história anterior

de convulsões relacionadas à SAA respondem bem apenas

aos BDZ instituídos para o tratamento da SAA. O diazepam

(ou um BDZ de ação longa) é a medicação de escolha, na

dose de 10 ou 20 mg, via oral. O uso endovenoso é

especialmente indicado durante os episódios convulsivos.

Quando houver história prévia de epilepsia, devem ser

mantidos os medicamentos já utilizados pelo paciente. Em

caso de crises isoladas não há indicação de carbamazepina,

tampouco de difenil-hidantoína (fenitoína) no tratamento

dessa complicação da SAA.
SÍNDROME DE WERNICKE - KORSAKOFF (SWK)
A síndrome de Wernicke-Korsakoff (SWK) é uma forma de

dano cerebral, por vezes letal, associada ao uso indevido de

álcool. A síndrome é composta por duas entidades

nosológicas distintas, porém relacionadas: a encelopatia

de Wernicke e a psicose de Korsakoff.





Cerca de 10 - 20% dos dependentes de álcool apresentam


esta complicação, aparecendo principalmente entre a quarta

e a quinta década de vida. A SWK está associada ao

déficit de tiamina (vitamina B1) no organismo. Qualquer





situação alteradora do processo de obtenção de tiamina pelo


organismo - síndrome de má-absorção, anorexia, hiperemese

gravítica, obstrução gastrointestinal, gastrectomia (parcial ou

total) alimentação parenteral prolongada, tireotoxicose e

hemodiálise - pode desencadea-la, mas o consumo excessivo

e prolongado do álcool é a causa de 90% dos casos.

A tiamina tem papel fundamental na oxidação dos

carboidratos. A metabolização da glicose pelas células nervosas depende de enzimas cujo cofator enzimático é a

tiamina pirofosfato (quadro 2.2). Essa, por sua vez, é obtida a partir da fosforilação da tiamina pela enzima

tiamina fosofoquinase. O consumo de álcool interfere no metabolismo da tiamina no organismo de diversas





maneiras: diminui o aporte, prejudica a absorção, o armazenamento e a ação das enzimas tiamino-dependentes
(quadro 2.2, figura 2.2). Neste último caso, o álcool diminui a ação da tiamina fosfoquinase, além de aumentar a

metabolização da mesma (quadro 2.2). Isso provoca uma depleção de tiamina pirofasfato, reduzindo, assim, o





consumo de glicose pelos neurônios em até 60%. Os neurônios trabalham no limite energético, sem reservas.
QUADRO 2.2: INTERFERÊNCIAS DO ÁLCOOL NO




METABOLISMO DA TIAMINA NO ORGANISMO.
APORTE

Déficit nutricional, uma vez que as “calorias vazias” do álcool





provocam saciedade e inibem a ingestão de alimentos, muitas


vezes por dias. Deste modo, há prejuízo no aporte das vitaminas

hidrossolúveis não produzidas pelo organismo (complexo B e ácido

ascórbico).

Mau hábito alimentar, pobre em vitamina B1 e rico em carboidratos





(CH). Como a quebra dos CH é realizada por enzimas tiaminodependentes,
alfa-ketoglutarato desidrogenase e piruvato

desidrogenase, os níveis de tiamina ficam ainda mais prejudicados.





ABSORÇÃO
Pangastrite, comprometendo a produção de fator intrisneco pela





região fundica do estômago. O fator intrínseco é fundamental


para a absorção da tiamina na luz intestinal.

Ácido fólico (vitamina B9). A carência desta vitamina (como é o





caso dos usuários crônicos de grandes quantidades de álcool)


interfere negativamente na absorção de tiamina.

Vômitos, prejudicando o processo e o tempo adequados de





absorção dos nutrientes.
ARMAZENAMENTO

Hepatopatias alcoólicas (hepatite, esteatose, cirrose),





comprometem a capacidade do fígado em armazenar tiamina.
AÇÃO ENZIMÁTICA

Redução da enzima ativadora da tiamina. Para servir como





cofator de enzimas responsáveis pela produção de energia


direcionada para a sintese de proteínas e mielina, a tiamina precisa

ser convertida em uma forma ativa pela enzima tiamina

pirofosfoquinase. O uso prolongado do álcool reduz a atividade





desta enzima, originando menos tiamina ativada.
Ativação de enzimas metabolizadoras da tiamina ativada. Além





de comprometer a formação, o consumo indevido e prolongado
de álcool, ativa enzimas destruidoras da tiamina ativada. Através







destes mecanismos, o álcool pode reduzir a atividade de


enzimas tiamino-dependentes e afetar o metabolismo cerebral,

mesmo quando o aporte e a absorção da vitamina estão

normais.

FONTE: [1] Hoyumpa, AM: Mechanisms of thiamine deficiency





in chronic alcoholism. American Journal of Clinical Nutrition
33:2750-2761, 1980. [2] Langlais, PJ: Role of diencephalic





lesions and thaimine deficiency in Korsakoff’s amnesia: Insights


from animal models. In Squire, LR, and Butters, N, eds.

Neuropsychology of Memory. New York: Guildford Press, 1992.

[3] Mesulam, MM; Van Hoesen, GW; and Butters, N: Clinical





manifestations of chronic thiamine deficiency in the rhesus


monkey. Neurology 27:239-245, 1977.
14 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.

FIGURA 2.2: Os complexos mecanismos envolvidos na neurotoxicidade secundária ao déficit de tiamina (vitamina B1). Associado à queda





da ingestão de tiamina, o consumo de grandes quantidade de álcool por longos períodos compromete não apenas a absorção, mas também o


armazenamento hepático e a fosforilação da tiamina (tiamina ativada). A falta de tiamina fosforilada diminui a atividade das enzimas alfa-ketoglutarato

desidrogenase e piruvato desidrogenase, responsáveis pela produção de energia destinada à sintese de proteínas e mielina pelos neurônios. O

neurônio trabalha sempre no limite energético, sem reservas. Deste modo, tais oscilações provocam lesões ou mesmo morte celular, que se

traduzirão em déficits de memória e aprendizado e provavelmente quadros demenciais, potencializados pela ação tóxica direta do álcool.

FONTE: [1] Hoyumpa, AM: Mechanisms of thiamine deficiency in chronic alcoholism. American Journal of Clinical Nutrition 33:2750-2761, 1980.

[2] Langlais, PJ: Role of diencephalic lesions and thaimine deficiency in Korsakoff’s amnesia: Insights from animal models. In Squire, LR, and Butters, N,

eds. Neuropsychology of Memory. New York: Guildford Press, 1992. [3] Mesulam, MM; Van Hoesen, GW; and Butters, N: Clinical manifestations of





chronic thiamine deficiency in the rhesus monkey. Neurology 27:239-245, 1977.
Diminuição dos níveis de tiamina pirofosfato (‘tiamina ativada’)

Diminuição da absorção

da tiamina pelo trato

gastrintestinal

Diminuição da

fosforilação da

tiamina no cérebro

Ingestão deficitária

de tiamina

Diminuição da oxidação do piruvato

Aumento

de ácido

láctico

Diminuição da

síntese de

neurotransmissores

Diminuição

da síntese de

ATP
Diminuição da atividade da enzima α-ketoglutarato desidrogenase




Lesões bioquímicas Morte celular

Lesões diencefálicas

Déficits de memória

e aprendizado

Demência

Dano cortical por

ação direta do

álcool

Déficits

cognitivos

Consumo excessivo e prolongado de álcool
fenômeno cientificamente comprovado fenômeno provável
CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 15
QUADRO 2.3: ENCEFALOPATIA DE WERNICKE.




* Confusão mental

* Oftalmoplegia e nistagmo (vertical e horizontal)

* Ataxia

FONTE: Zubaran et al. Aspectos clínicos e





neuropatológicos da síndrome de Wernicke-Korsakoff.


Rev Saúde Pub 1996; 30(6): 602-8.
QUADRO 2.4: SINAIS E SINTOMAS QUE INDICAM




A PRESENÇA DA ENCEFALOPATIA DE

WERNICKE.
Usuários crônicos de álcool com qualquer um destes:

* Confusão mental

* Rebaixamento do nível de consciência

* Oftalmoplegia e nistagmo (vertical e horizontal)

* Ataxia

* Distúrbios de memória

* Hipotermia com hipotensão

FONTE: Royal College of Physicians. ALCOHOL - can





the NHS afford it? London: RCP; 2001.
FONTE: Royal College of Physicians. ALCOHOL - can





the NHS afford it? London: RCP; 2001.
QUADRO 2.5: REPOSIÇÃO DE TIAMINA EM




INDIVÍDUOS COM DIAGNÓSTICO OU RISCO DE

ENCEFALOPATIA DE WERNICKE.
Diagnóstico confirmado

(confusão mental, ataxia e oftalmoplegia)
1. Duas ampolas de Complexo B (EV) no SF0,9%




utilizado na hidratação do indivíduo (3 - 5 dias).
2. Tiamina 100mg (EV) ao dia lento até a melhora da




síndrome (3 - 5 dias)
3. Magnésio 50% 2 ml (IM), se houver hipomagnesemia




Diagnóstico presumido
(sinais comuns à SWK, SAA e delirium tremens)

1. Duas ampolas de Complexo B (EV) no SF0,9%




utilizado na hidratação do indivíduo (3 - 5 dias).
2. Tiamina 100mg 1 ampola (EV) lento

3. Tiamina 200mg (IM) por 7 - 10 dias.

4. Magnésio 50% 2 ml (IM), se houver hipomagnesemia




Período de alta ou após o décimo dia
1. Tiamina 50mg (VO) às refeições.

2. Ácido Fólico 5mg (VO) às refeições
Deste modo, uma redução no aporte de glicose para a célula

gera sofrimento, lesão e morte celular (figura 2.2). O resultado





são lesões focais no tálamo, hipotálamo, corpos mamilares e


assoalho do quarto ventrículo, degeneração do verme cerebelar

e neuropatia periférica. Histologicamente encontram-se células

inflamatórias, hemorragias petequiais e perda neuronal.

A encefalopatia de Wernicke tem início abrupto, com





rebaixamento do nível de consciência, distúrbios oculomotores e


ataxia cerebelar. O sintoma mais comum é a confusão mental

(82%), seguido dos distúrbios oculomotores (29%) e ataxia (23%).

Não é necessária a presença da tríade para o diagnóstico. Os





distúrbios oculomotores incluem nistagmo (horizontal ou vertical)


e paralisia ocular completa (oftalmoplegia). A ataxia pode preceder

a confusão mental em dias e permanecer algumas semanas após

sua resolução desta.

A ausência de resposta clínica clara em 48-72 horas sugere mau

prognóstico. A mortalidade é ao redor de 17%. Embora a tríade desapareça em torno de um mês após o tratamento,

80 a 85% de todos os casos de encefalopatia de Wernicke evoluem para a síndrome amnéstica ou psicose de

Korsakoff .

O tratamento da encefalopatia de Wernicke deve ser prontamente





instituído, tendo em vista o risco de morte e de evolução para a


psicose de Korsakoff. A administração de tiamina previne a

progressão da doença e reverte as anormalidades cerebrais que

não tenham provocado danos estruturais estabelecidos.

No entanto, a semelhança entre a encefalopatia de Wernicke e a

SAA grave, o delirium tremens e mesmo a intoxicação alcoólica

(quadro 2.4), faz com que esta patologia seja subdiagnosticada





com bastante freqüência. Apenas um terço dos casos apresenta


a oftalmoplegia, sinal mais característico da encefalopatia. Desde

modo, todos os casos de sindrome de abstinência e delirium







devem ser tratados presumindo a presença da encefalopatia
de Wernicke.





Por se tratar de uma situação emergencial, casos confirmados


devem receber 100mg de tiamina endovenosa até a oftalmoplegia

melhorar (quadro 2.5). O desaparecimento da ataxia pode levar





dias ou semanas. Uma das causas de não-resposta ao tratamento
16 CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30.
é a hipomagnesemia. Portanto o sulfato de magnésio (1-2ml

em solução de 50%) deve ser administrado por via

intramuscular concomitantemente. Casos onde o diagnóstico

é presumido, a reposição de tiamina pode ser feita pela via

intramuscular (quadro 2.5). Após um período de uso





endovenoso / intramuscular, o indivíduo pode passar a receber
o aporte vitamínico por via oral (quadro 2.5).

A psicose de Korsakoff ou síndrome amnéstica é





classicamente descrita como uma condição crônica na qual


ocorre um predomínio de amnésia retrógrada e anterógrada,

secundária e conseqüente ao curso crônico da encefalopatia

de Wernicke ou após delirium tremens. Em alguns casos pode





progredir de forma insidiosa. A confabulação, considerada o


sintoma típico, muitas vezes não está presente de forma

marcante e não é pré-requesito diagnóstico.

Como o próprio nome sugere, os defeitos amnésticos são os

mais evidentes e estão mais efetados do que qualquer outra

perturbação cognitiva presente. Podem ocorrer alterações de

comportamento sugestivas de lesão no lobo frontal (apatia,

inércia, negligência com o autocuidado, perda de insight), mas





não são necessárias para o diagnóstico. Boa parte dos


indivíduos acometidos evolui com empobrecimento cognitivo

(pensamento, aprendizagem, atenção) e afetivo (embotamento,

isolamento) importantes.

Ao contrário da depressão maior e de alguns quadros

demenciais, onde o déficit de memória é geralmente percebido

com ansiedade e angústia, pacientes com síndrome amnéstica possuem pouca ou nenhuma crítica acerca de sua

amnésia e dos agentes causais. Tal ausência de crítica os expõe a uma série de complicações, muitas vezes
QUADRO 2.6: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA




PSICOSE DE KORSAKOFF OU SÍNDROME

AMNÉSTICA.
Uma síndrome associada a um comprometimento

crônico e proeminente da memória recente; a memória

remota está às vezes comprometida, enquanto que a

imediata está preservada. Perturbações da orientação

temporal e cronológica de eventos são usualmente

evidentes, assim como as dificuldades em aprender

material novo. Confabulação pode ser marcante, mas

não está invariavelmente presente. Outras funções

cognitivas estão em geral relativamente bem

preservadas e os defeitos amnésticos são

desproporcionais em relação às outras perturbações.
Diretrizes diagnósticas
A síndrome amnéstica, induzida por álcool ou outras

substâncias psicoativas, aqui codificada, deve

preeencher os critérios gerais para síndrome amnéstica

orgânica. Os requisitos primários para este diagnóstico

são:
(1) comprometimento de memória recente




(aprendizagem de material novo); perturbações do

sentido de tempo (rearranjos da seqüência cronológica,

superposição de eventos repetidos em um só, ...).
(2) ausência de defeitos da memória imediata, de




comprometimento de consciência e de

comprometimento cognitivo generalizado.
(3) história ou evidência objetiva de uso crônico (e




particularmente em altas doses) de álcool ou drogas.

FONTE: CID - 10 / OMS (1993)


QUADRO 2.7: CONFABULAÇÃO





As confabulações constituem no relato de coisas fanstásticas que, na realidade, nunca aconteceram. Em grande parte, resultam de uma

alteração da memória de fixação e de uma incapacidade para distinguir as imagens produzidas pela fantasia. Na confabulação, lembranças

isoladas autênticas completam erroneamente lacunas da memória. Isto pode gerar tanto conteúdos absurdos e inverossímeis (oniróides),

como histórias providas de lógica e sentido.

Assim, a invenção livre é tomada por acontecimentos vividos (as confabulações preenchem um vazio de memória e se mostram como que

criadas para este fim). Ao mesmo tempo não há compromisso com o descrito. Uma mesma pergunta feita em períodos de tempo diferentes,

produzirá respostas distintas. Isso não acontece, por exemplo, no trantorno delirante, quando a nova leitura da realidade é estruturada e

estável, não mudando ao longo do tempo.

FONTE: Paim I. Psicopatologia. São Paulo: EPU, 1986.




CADERNOS DO AMBULATÓRIO DO QUINTO ANO 2005; 1(SUPL 1): 1 - 30. 17
inviabilizadoras do convívio social (não cumprir compromissos, contestar promessas ou dívidas, se mostrar menos

hábil para negociar e resolver questões do dia-a-dia). A psicose de Korsakoff não é progressiva (como o mal de

Alzheimer) e em geral há algum padrão de melhora com a abstinência, longe de significar, porém, o retorno às

atividades habituais. De fato, ao contrário do que ocorre com a encefalopatia de Wernicke, o quadro clínico da

síndrome de Korsakoff não reverte sensivelmente após a reposição de tiamina. Além disso, tais indivíduos se

apresentam para tratamento com grandes limitações psicossociais

decorrentes do seu uso crônico e intenso de álcool anterior

(desemprego, descrédito familiar, abandono social ...). O déficit

de memória dificulta a elaboração de um contrato entre o médico,

o paciente e a família. Muitas vezes, o paciente continua a beber,

justificando (ou negando) tal atitude com fabulações

inconsistentes, porém refratárias à qualquer argumentação. Isso

pode levar o profissional e os familiares a buscar tratamento

incialmente em ambiente fechado e protegido. O diagnóstico

diferencial com demência alcóolica nem sempre é fácil.

Quanto à farmacoterapia, a clonidina (0,3mg 2 vezes ao dia),





tem sido associada à melhora discreta da memória recente. Esta
também foi utilizada em combinação com os inibidores seletivos

da recaptação de serotonina (ISRS). O propanolol (20mg/kg/dia) já foi ministrado visando ao controle dos





sintomas agudos. Recentemente, estudos abertos e relatos de caso têm encontrado melhora dos padrões cognitivos
em pacientes recebendo agentes anticolinesterásicos. Infelizmente nenhum desses tratamentos parece ser





muito eficaz. Desse modo, os pacientes se beneficiam mais com abordagens cognitivo-comportamentias e


vocacionais voltadas à reorganização do seu cotidiano.

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