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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Benzodiazepínicos


Histórico:

 O clordiazepóxido foi lançado pela Roche em meados de 1960. Entre 1968 e 1987 o diazepam tornou-se a droga mais prescrita nos EUA e na Europa.
A partir da década de 1970 foram publicados trabalhos apontando para comportamentos abusivos e para sintomas de abstinência relativos aos BZD (Síndrome de Abstinência dos Benzodiazepínicos - SAB).
 Entre 10% e 20 % dos norte-americanos e entre 2,1% e 13% dos brasileiros usam BZD anualmente, sendo que 1,3% no último mês. Como categoria farmacológica, são uma das substâncias psicoativas mais utilizadas, perdendo apenas para o álcool e o tabaco.

Mecanismo de ação:
Todos os BZD são moduladores alostéricos positivos do complexo receptor GABA-A (R-GABA-A). Ligam-se a um sítio específico neste receptor, permitindo um maior influxo de cloreto (Cl-) (condutância) no canal. O neurônio se torna hiperpolarizado, e consequentemente, inibido. A ação fisiológica subsequente é uma menor excitabilidade neuronal, o que implica em redução na condução de impulsos nervosos através das vias relacionadas. Do ponto de vista clínico, o efeito final é a redução da intensidade de sintomas ansiosos, miorrelaxantes, hipnóticos (indutor do sono) e anticonvulsivantes.
Os R-GABA-A possuem cinco subunidades, sendo duas do tipo α, com seis variações de isoformas, duas do tipo β, e uma do tipo γ, com três possíveis isoformas, cada. Os BZD se ligam em um sítio localizado entre a subunidade γ2 e α1, α2, α3 ou α5, sendo obrigatória a presença de pelo menos uma destas quatro últimas. De acordo com o sítio de ligação no receptor GABA-A, o BZD exerce ações diversas. Os efeitos amnésticos (anterógrados), sedativos e anticonvulsivantes estão mais relacionados à subunidade α1, enquanto que a ação ansiolítica e miorrelaxante tem a ver com as subunidades α2 e α3. A subunidade α5 teria uma implicação ligada a processos de memória. Demonstrou-se, recentemente, que as propriedades mais vinculadas a reforço e dependência dos BZD relacionam-se à subunidade α1. 
Indicações terapêuticas e Contra-indicações:
Os BZD são principalmente utilizados para o tratamento de transtornos ansiosos, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o Transtorno de Pânico com (TPA) ou sem Agorafobia (TP) e a Fobia Social (FS),  apesar da tendência de modificação das guidelines nas últimas décadas, em favor do uso de antidepressivos. Apesar de serem frequentemente referenciados sob o nome de “ansiolíticos”, os BZD não são aplicáveis a todos os transtornos ansiosos, e mesmo naqueles com indicação bem estabelecida, pode-se optar por não utilizá-los.
Quando são utilizados exclusivamente na fase aguda de tratamento sua segurança é maior, porém o uso em fases mais tardias do tratamento aumenta os riscos de dependência, ao passo que eleva o risco de tolerância e perda parcial dos efeitos desejados. Na síndrome de abstinência de álcool constituem a medicação de escolha.
Certos BZD vêm sendo usados no tratamento de ataque na mania aguda, na agitação psicomotora mas haloperidol e midazolam intramusculares tem maior necessidade de contenção mecânica e medicação adicional, bem como apresentaram maiores riscos de depressão respiratória, sedação excessiva e reações paradoxais.
Contudo, a utilização mais popular e banalizada dessa classe de fármacos seja como indutores do sono. Graças à ação GABAérgica comum, podem facilitar o sono; diminuem a latência para o início da etapa 2 do sono não-REM, o número de vezes que o paciente acorda durante a noite e o tempo de vigília logo após o início do sono em um paciente com insônia primária. O incremento do tempo total de sono obtido oscila, na média, entre 2h e 8h. Todos os hipnóticos benzodiazepínicos diminuem acentuadamente o sono com ondas lentas (sono profundo) e o sono REM (com sonhos). Além disso, depois de algumas semanas de tratamento, é possível ocorrer tolerância ao efeito hipnótico em muitos pacientes. Com a retirada brusca dos derivados benzodiazepínicos de ação hipnótica com vida média curta ou intermediária pode se reinstalar a reincidência da insônia, pior do que no início do tratamento (insônia de rebote), persistindo, em média, durante 2 ou 3 noites.  Outra complicação frequente durante o uso prolongado de BZD é o desenvolvimento de uma dependência para 30%-45% dos pacientes com insônia primária.
Provavelmente, a mais consensual indicação dos BZD seja a Síndrome de Abstinência Alcoólica (SAA), entidade com risco de 3% para convulsões e de até 1% de morte. Nestas situações, os benzodiazepínicos de escolha são os de meia-vida longa, tais como o clonazepam, o diazepam e o clordiazepóxido e, em casos de evidência clínica ou laboratorial de insuficiência hepática, o lorazepam, por seu metabolismo hepático simplificado e por não ter rmetabólitos ativos.
Estes medicamentos também possuem aplicações como anticonvulsivantes (especialmente no caso do clonazepam, lorazepam e clobazam), pré-anestésicos de cirurgias e como sedação para procedimentos odontológicos.11
 As CONTRA INDICAÇÕES dos BZD são a miastenia gravis, doenças pulmonares severas (risco maior de depressão respiratória) e a gravidez. Gestantes nos últimos dois trimestres têm menores riscos de teratogenia, entretanto, podem dar à luz bebês com dificuldades respiratórias e de amamentação, e em alguns casos mais graves, SAB no Recém Nascido. Pessoas com tendências à abuso de substâncias são um grupo de contraindicação relativa, dado o risco relativo aumentado de se tornarem também dependentes de tais medicamentos.  
 Efeitos adversos
 Ø  Reações paradoxais: desinibição de comportamento e/ou agitação psicomotora. Todavia, podem ocorrer também impulsividade, acessos de fúria, agressividade auto ou heterodirigida, violência física / sexual e tentativas de suicídio, na população gira em torno de 1%, mas certas condições podem torná-la muito maior. Traços de personalidade ansiosa e baixo-controle de estresse facilitariam seu surgimento, bem como uso concomitante de álcool. Em portadores de Transtorno de Personalidade Borderline a prevalência sobe para 58%. Outros grupos de risco para a ocorrência de reações paradoxais são idosos, crianças, autistas e deficientes intelectuais.
Ø  Risco para idosos: risco para quedas com fraturas graves (atividade sedativa, com alterações psicomotoras, e bloqueio α-adrenérgico, responsável por elevar a probabilidade de hipotensão postural). Um follow-up com 1.389 pessoas entre 60 e 70 anos sugeriu que o uso de BZD é fator de risco para declínio cognitivo na terceira idade.
Ø  Acidentes: o consumo de tais medicamentos eleva o risco de colisão em 60%.  Outros trabalhos com condutores vítimas de  acidentes detectaram BZD em seus organismos entre 2% e 5% dos casos fatais e em torno de 12% nos casos não fatais.
Ø  Cognição e motricidade: As queixas mais comuns relacionadas a BZD são sedação, sonolência (diurna), fadiga, visão turva, disartria, ataxia, lentificação e/ou comprometimento da performance psicomotora, (o que inclui redução ou perda de reflexos), dificuldade de reter informações novas e amnésia / hipomnésia anterógrada. Sabe-se que a meia-vida de um BZD tem relação inversa com os efeitos colaterais sobre a cognição. Já a potência e a lipossolubilidade são propriedades diretamente relacionadas com esse grupo de efeitos adversos. O diazepam, o triazolam, o alprazolam e o lorazepam possuem maior lipossolubilidade, e são, assim, os mais associados a problemas de memória.  Risco 50% maior de desenvolver demência levando em conta a variável “iniciar o uso de BZD”.
 Riscos adicionais:
Os BZD são a categoria medicamentosa mais utilizada em tentativas de suicídio. 
29% das idas a serviços norte-americanos de emergência no ano de 2005, por uso não médico de remédios, se devem a BZD, número comparável ao de opiáceos. O mesmo levantamento mostra que os problemas com BZD aumentaram 19% em relação ao ano anterior. Segundo o “Treatment Episode Data Set” (TEDS), as internações devido a abuso de tranquilizantes cresceram 79% de 1992 a 2002.
Por fim, convém lembrar que a mortalidade entre dependentes de BZD é três vezes maior do que na população geral, e, ainda que não haja uma relação causal entre benzodiazepínicos e mortalidade, estes podem servir  como marcadores do risco aumentado.
Abuso e dependência
Um trabalho realizado no Estado do Paraná, com compradores de BZD em farmácias, apurou que somente 13% desses haviam recebido orientações sobre riscos de interação com álcool, de dirigir ou operar máquinas e sobre o desenvolvimento de dependência, enquanto apenas 31% tinham recebido alguma informação do prescritor a respeito do potencial de dependência daqueles remédios, e 19% não receberam qualquer orientação. Somente 22% ouviram de seus médicos instruções relacionadas ao tempo de utilização dos BZD prescritos. Outro grupo de pesquisadores afirma que 55,5% de uma amostra de usuários crônicos de diazepam (tempo médio de dez anos) disseram jamais ter recebido qualquer orientação sobre os efeitos deste por parte de seus médicos.
O risco de dependência dos BZD é uma função do tempo de seu uso: por até três meses o risco é considerado baixo. Entre três e 12 meses de uso, o risco aumenta para 10% a 15% e por mais de 12 meses, há risco de 25% a 40%. Todavia, para a maioria dos consensos, um período de até somente quatro semanas é considerado seguro para utilização de tais fármacos, sendo que, para prescrição por tempos maiores é indicado uma reformulação da terapêutica, com discussão com o paciente dos potenciais riscos e a indicação de procedimentos terapêuticos não farmacológicos  tais como psicoterapia e atividade física (especialmente em casos de insônia e ansiedade).
Qualquer substância potencialmente dependógena provoca aumento do neurotransmissor dopamina (DA) no circuito mesolímbico encefálico.  Demonstrou-se que os BZD elevam a liberação de DA na Área Tegmentar Ventral do mesencéfalo (VTA), por meio da modulação positiva do R-GABA-A nos interneurônios próximos, com participação da subunidade α-1. Isso é causado pela redução da descarga dos aferentes inibitórios para neurônios DAérgicos, através da proteína-G acoplada aos neurônios GABAérgicos. Este mecanismo é semelhante ao que ocorre com os opióides, os canabinóides, e com o γ-HB (GHB), e pode produzir neuroplasticidade, reforçando mecanismos fisiológicos de adicção.
Critérios diagnósticos: os elementos chaves para o diagnóstico incluem a tolerância (hipnótico antes do ansiolítico), síndrome de abstinência (e uso continuado para evitá-la, ingesta de alívio), dificuldades de parar o consumo (apesar da consciência de problemas relacionados), estreitamento do repertório e saliência comportamental, sensação subjetiva de necessidade de consumir a droga.
Populações sujeitas a uso impróprio de BZD são idosos, etilistas e dependentes químicos. Para estes últimos, o BZD é utilizado para reduzir a ansiedade e a agitação causadas por drogas estimulantes (anfetaminas, ecstasy, cocaína e crack), para acentuar a sensação de bem-estar (“high”) causada por opioides ou para controle de sintomas de abstinência destes. Convém ressaltar que a fonte mais comum de BZD para estes usuários é a própria prescrição médica
Diversos pesquisadores documentaram a SAB, que compreende os seguintes sintomas principais: ansiedade (rebote), insônia, agitação, tremores, hipersensibilidade à luz, ao som e/ou ao toque, desconforto gastrintestinal, sudorese, e em alguns casos, até mesmo sintomas psicóticos e convulsões. Existe uma população que não tolera a descontinuação de BZD, e mesmo passando por adequada e lenta redução gradual, acaba se utilizando de tais medicamentos de modo crônico, por anos. É comum nesse grupo a presença de mais sintomas ansiosos e depressivos.
Usuários crônicos: quando se propunha a redução da dose em 25% por semana, as maiores taxas de insucesso ocorriam relacionadas aos seguintes fatores: alta dose diária diazepam-equivalente, elevado escore na escala MMPI de personalidade dependente e antecedentes de uso recreacional de drogas. O mesmo trabalho concluiu que um indivíduo é mais suscetível à dependência de BZD quando possuir, como traços de personalidade: dependência, passividade, submissão e falta de confiança.
Momentos de autoindulgência. os remédios seriam as soluções materiais disponíveis, fácil e trivialmente adquiridas.
Segundo estudo feito em Campinas – SP, a maioria dos usuários crônicos (mais ou menos 10 anos de uso) de diazepam é das classes C (39%), D (54%) e E (7%). Geralmente, o médico prescritor é um clínico geral (44,4%). Por fim, há claro e intrigante predomínio do sexo FEMININO (85,4%).
 As mulheres recorreriam tanto aos BZD por razões análogas às que levam os homens a serem abusadores de álcool, ou seja, a busca de uma “saída” para muitos problemas.
Cinco elementos podem ser elencados no manejo da dependência de BZD: preparação, ou psicoeducação (informar sobre o problema); substituição por BZD de média a longa duração; redução gradual; técnicas psicoterápicas; e manejo farmacológico, com o uso de drogas como propranolol, buspirona e carbamazepina.
A retirada gradual de um décimo a um oitavo da dose de costume, a cada uma ou duas semanas (em casos de pacientes dependentes de longa data ou resistentes à redução). Em alguns casos, é mesmo possível realizar a redução mais rápida, à taxa de 25% a 50% a cada sete ou quinze dias, apesar de este método aumentar a chance de falha na retirada, surgimento de sintomas de abstinência ou recaídas no uso. Para alguns autores, um prazo de 6 a 8 semanas parece ser o ideal para a maioria dos pacientes, embora alguns casos necessitem de até um ano. Uma técnica muitas vezes cabível é a substituição por BZD de meia-vida mais longa, como clonazepam ou diazepam, nas doses equivalentes, e a partir das quais se procede a retirada.
Alguns pontos capazes de aumentar o sucesso na intervenção de retirada de BZD:
• Aconselhar individualmente os pacientes a PARAR / REDUZIR seu uso de BZD (tanto por carta quanto “cara-a-cara”); consultas de seguimento podem aumentar o sucesso nestes casos.
• Encorajar grupos de suporte entre usuários, para melhorar a auto retirada de BZD.
• Encorajar abordagem interprofissional, como por exemplo farmacêuticos alertando médicos sobre  prescrição potencialmente inadequada de BZD ou enfermeiras que regularmente contatem pacientes que estejam tentando para com os BZD, provendo-lhes, também, informações.
• Educar todos os membros permanentes da equipe sobre métodos alternativos para tratar insônia e reduzir o uso de BZD.
 Para mudar o panorama dúbio relativo aos BZD, são necessários bom senso e cautela em diversos níveis: 1) institucional, em que pesem ações acadêmicas e governamentais com caráter educativo, orientando a população (técnica e leiga) sobre indicações, contraindicações efeitos adversos e risco de abuso / dependência; 2) comunitário, permitindo a criação de mecanismos, recursos e espaços para melhor enfrentamento de problemas sociais e de situações opressores; nesse sentido, grupos terapêuticos e operativos, cursos, oficinas culturais e esportivas seriam sugestões potencialmente efetivas para evitar que se recorra mecanicamente a “pílulas de paz”; 3) médico, na medida em que a maioria dos comprimidos de BZD ingeridos foi originada na prescrição de um profissional de medicina ou odontologia, devendo este conhecer bem tais recursos terapêuticos em seus aspectos positivos e negativos. Neste ponto, cabe apontar a necessidade de o profissional ser “firme” em sua postura, para não ceder a apelos do paciente por receitas, e sábio, quando da decisão farmacoterápica. Muitos clínicos ainda acreditam que os BZD são suficientes para tratar e curar insônia e síndromes ansiosas, carecendo de informação ou bom-senso para evitar o passo inicial rumo a um problema grave, e, no entanto, ainda negligenciado e menosprezado.