Histórico:
O clordiazepóxido foi lançado pela Roche em meados de 1960. Entre 1968 e
1987 o diazepam tornou-se a droga mais prescrita nos EUA e na Europa.
A partir da década de 1970 foram publicados trabalhos apontando para comportamentos abusivos e para sintomas de
abstinência relativos aos BZD (Síndrome de Abstinência dos Benzodiazepínicos -
SAB).
Entre 10% e 20 % dos norte-americanos e entre 2,1% e 13% dos
brasileiros usam BZD anualmente, sendo que 1,3% no último
mês. Como
categoria farmacológica, são uma das substâncias psicoativas mais utilizadas,
perdendo apenas para o álcool e o tabaco.
Mecanismo
de ação:
Todos os BZD são moduladores alostéricos positivos do
complexo receptor GABA-A (R-GABA-A). Ligam-se a um sítio
específico neste receptor, permitindo
um maior influxo de cloreto (Cl-) (condutância) no canal. O neurônio se torna
hiperpolarizado, e consequentemente, inibido. A ação fisiológica subsequente é
uma menor excitabilidade neuronal, o que implica em redução na condução de
impulsos nervosos através das vias relacionadas. Do ponto de vista clínico, o
efeito final é a redução da intensidade de sintomas ansiosos, miorrelaxantes, hipnóticos (indutor do sono) e anticonvulsivantes.
Os R-GABA-A possuem cinco
subunidades, sendo duas do tipo α, com seis variações de isoformas, duas do
tipo β, e uma do tipo γ, com três possíveis isoformas, cada.
Os BZD se ligam em um sítio localizado entre a subunidade γ2 e α1, α2, α3 ou α5, sendo
obrigatória a presença de pelo menos uma
destas quatro últimas. De acordo com o sítio de ligação no receptor GABA-A,
o BZD exerce ações diversas. Os efeitos amnésticos
(anterógrados), sedativos e anticonvulsivantes estão mais
relacionados à subunidade α1,
enquanto que a ação ansiolítica e miorrelaxante tem a ver com as
subunidades α2 e α3. A subunidade α5 teria uma implicação ligada a
processos de memória. Demonstrou-se,
recentemente, que as propriedades mais
vinculadas a reforço e dependência dos BZD relacionam-se à subunidade
α1.
Indicações
terapêuticas e Contra-indicações:
Os
BZD são principalmente utilizados para o tratamento de transtornos ansiosos, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o
Transtorno de Pânico com (TPA) ou sem Agorafobia (TP) e a Fobia Social (FS), apesar da tendência de modificação das guidelines
nas últimas décadas, em favor do uso de antidepressivos.
Apesar de serem frequentemente referenciados sob o nome de “ansiolíticos”, os BZD não são
aplicáveis a todos os transtornos ansiosos, e mesmo naqueles com indicação bem
estabelecida, pode-se optar por não utilizá-los.
Quando são utilizados exclusivamente
na fase aguda de tratamento sua segurança é maior, porém o uso em fases mais
tardias do tratamento aumenta os riscos de dependência, ao passo que eleva o
risco de tolerância e perda parcial dos efeitos desejados. Na síndrome de abstinência de álcool constituem
a medicação de escolha.
Certos BZD vêm sendo usados no tratamento
de ataque na mania aguda, na agitação psicomotora mas haloperidol e
midazolam intramusculares tem maior necessidade de contenção mecânica e medicação adicional, bem
como apresentaram maiores riscos de depressão respiratória, sedação excessiva e
reações paradoxais.
Contudo, a utilização mais popular e
banalizada dessa classe de fármacos seja como indutores do sono. Graças à ação GABAérgica comum, podem facilitar
o sono; diminuem a latência para o início da etapa 2
do sono não-REM, o número de vezes que o paciente acorda durante a noite e o
tempo de vigília logo após o início do sono em um paciente com insônia
primária. O incremento do tempo total de sono obtido oscila, na média, entre 2h
e 8h. Todos os hipnóticos benzodiazepínicos diminuem acentuadamente o sono com
ondas lentas (sono profundo) e o sono REM (com sonhos). Além disso, depois de
algumas semanas de tratamento, é possível ocorrer tolerância ao efeito hipnótico em muitos pacientes. Com a retirada
brusca dos derivados benzodiazepínicos de ação hipnótica com vida média curta
ou intermediária pode se reinstalar a reincidência da insônia, pior do que no
início do tratamento (insônia de rebote), persistindo, em média, durante 2 ou 3
noites. Outra complicação frequente
durante o uso prolongado de BZD é o desenvolvimento de uma dependência para
30%-45% dos pacientes com insônia primária.
Provavelmente, a mais consensual indicação dos BZD seja a
Síndrome de Abstinência Alcoólica (SAA),
entidade com risco de 3% para convulsões e de até 1% de morte. Nestas
situações, os benzodiazepínicos de escolha são os de meia-vida longa, tais como
o clonazepam, o diazepam e o clordiazepóxido e, em casos de evidência clínica
ou laboratorial de insuficiência hepática, o lorazepam, por seu metabolismo
hepático simplificado e por não ter rmetabólitos ativos.
Estes medicamentos também possuem aplicações como anticonvulsivantes (especialmente no
caso do clonazepam, lorazepam e clobazam), pré-anestésicos de cirurgias e como
sedação para procedimentos odontológicos.11
As CONTRA
INDICAÇÕES dos BZD são a miastenia
gravis, doenças pulmonares severas (risco maior de depressão respiratória)
e a gravidez. Gestantes nos últimos dois trimestres têm menores riscos de
teratogenia, entretanto, podem dar à luz bebês com dificuldades respiratórias e
de amamentação, e em alguns casos mais graves, SAB no Recém Nascido. Pessoas
com tendências à abuso de substâncias são um grupo de contraindicação relativa,
dado o risco relativo aumentado de se tornarem também dependentes de tais
medicamentos.
Efeitos
adversos
Ø Reações
paradoxais: desinibição de comportamento e/ou
agitação psicomotora. Todavia, podem ocorrer também impulsividade, acessos de
fúria, agressividade auto ou heterodirigida, violência física / sexual e
tentativas de suicídio, na população gira em torno de 1%, mas certas condições podem torná-la muito maior.
Traços de personalidade ansiosa e baixo-controle de estresse facilitariam seu
surgimento, bem como uso concomitante de álcool. Em portadores de Transtorno de Personalidade Borderline a prevalência sobe para
58%. Outros grupos de risco para a ocorrência de reações paradoxais
são idosos, crianças, autistas e
deficientes intelectuais.
Ø Risco
para idosos: risco para quedas com fraturas graves (atividade sedativa, com
alterações psicomotoras, e bloqueio α-adrenérgico, responsável por elevar a
probabilidade de hipotensão postural). Um follow-up
com 1.389 pessoas entre 60 e 70 anos sugeriu que o uso de BZD é fator de risco
para declínio cognitivo na terceira idade.
Ø Acidentes: o consumo de tais medicamentos
eleva o risco de colisão em 60%. Outros trabalhos com condutores vítimas
de acidentes detectaram BZD em seus
organismos entre 2% e 5% dos casos fatais e em torno de 12% nos casos não
fatais.
Ø Cognição
e motricidade: As queixas mais comuns relacionadas a BZD
são sedação, sonolência (diurna), fadiga, visão turva, disartria, ataxia,
lentificação e/ou comprometimento da performance psicomotora, (o que inclui
redução ou perda de reflexos), dificuldade de reter informações novas e amnésia
/ hipomnésia anterógrada. Sabe-se
que a meia-vida de um BZD tem relação inversa com os efeitos
colaterais sobre a cognição. Já a potência e a lipossolubilidade
são
propriedades diretamente
relacionadas com esse grupo de efeitos adversos. O diazepam, o triazolam, o alprazolam e o
lorazepam possuem maior lipossolubilidade, e são, assim, os mais associados a
problemas de memória. Risco 50% maior de
desenvolver demência levando em conta a variável “iniciar o uso de BZD”.
Os BZD são a categoria medicamentosa mais
utilizada em tentativas de suicídio.
29% das idas a serviços
norte-americanos de emergência no ano de 2005, por uso não médico de remédios,
se devem a BZD, número comparável ao de opiáceos. O mesmo levantamento mostra
que os problemas com BZD aumentaram 19% em relação ao ano anterior. Segundo o
“Treatment Episode Data Set” (TEDS), as internações devido a abuso de
tranquilizantes cresceram 79% de 1992 a 2002.
Por fim, convém lembrar que a mortalidade entre dependentes de BZD é três vezes maior do que na população geral, e, ainda que não haja
uma relação causal entre benzodiazepínicos e mortalidade, estes podem
servir como marcadores do risco
aumentado.
Abuso
e dependência
Um trabalho realizado no Estado do
Paraná, com compradores de BZD em farmácias, apurou que somente 13% desses
haviam recebido orientações sobre riscos de interação com álcool, de dirigir ou
operar máquinas e sobre o desenvolvimento de dependência, enquanto apenas 31%
tinham recebido alguma informação do prescritor a respeito do potencial de
dependência daqueles remédios, e 19% não receberam qualquer orientação. Somente
22% ouviram de seus médicos instruções relacionadas ao tempo de utilização dos
BZD prescritos. Outro grupo de pesquisadores afirma que 55,5% de uma amostra de usuários
crônicos de diazepam (tempo médio de dez anos) disseram jamais ter recebido
qualquer orientação sobre os efeitos deste por parte de seus médicos.
O risco de dependência dos BZD é uma
função do tempo de seu uso: por até três meses o risco é considerado baixo.
Entre três e 12 meses de uso, o risco aumenta para 10% a 15% e por mais de 12
meses, há risco de 25% a 40%.
Todavia, para a maioria dos consensos, um período de
até somente quatro semanas é considerado seguro para utilização de tais
fármacos, sendo que, para prescrição por tempos maiores é indicado uma reformulação
da terapêutica, com discussão com o paciente dos potenciais riscos e a
indicação de procedimentos terapêuticos não farmacológicos tais como psicoterapia e atividade física
(especialmente em casos de insônia e ansiedade).
Qualquer substância potencialmente
dependógena provoca aumento do neurotransmissor dopamina (DA) no circuito
mesolímbico encefálico. Demonstrou-se
que os BZD elevam a liberação de DA na Área Tegmentar Ventral do mesencéfalo
(VTA), por meio da modulação positiva do R-GABA-A nos interneurônios
próximos, com participação da subunidade α-1. Isso é causado pela redução da
descarga dos aferentes inibitórios para neurônios DAérgicos, através da
proteína-G acoplada aos neurônios GABAérgicos. Este mecanismo é semelhante ao
que ocorre com os opióides, os canabinóides, e com o γ-HB (GHB), e pode
produzir neuroplasticidade, reforçando mecanismos fisiológicos de adicção.
Critérios diagnósticos: os elementos chaves para o diagnóstico incluem a tolerância (hipnótico antes do ansiolítico),
síndrome de abstinência (e uso continuado para evitá-la, ingesta de
alívio), dificuldades de parar o consumo (apesar da consciência de problemas
relacionados), estreitamento do repertório e saliência comportamental, sensação
subjetiva de necessidade de consumir a droga.
Populações
sujeitas a uso impróprio de BZD são idosos, etilistas e
dependentes químicos. Para estes últimos, o BZD é utilizado para reduzir a
ansiedade e a agitação causadas por drogas estimulantes (anfetaminas, ecstasy, cocaína e crack), para acentuar
a sensação de bem-estar (“high”)
causada por opioides ou para controle de sintomas de abstinência destes. Convém ressaltar que
a fonte mais comum de BZD para estes usuários é a própria prescrição médica
Diversos pesquisadores documentaram a SAB, que compreende os seguintes
sintomas principais: ansiedade (rebote),
insônia, agitação, tremores, hipersensibilidade à luz, ao som e/ou ao toque,
desconforto gastrintestinal, sudorese, e em alguns casos, até mesmo sintomas psicóticos e convulsões. Existe uma população
que não tolera a descontinuação de BZD, e mesmo passando por adequada e lenta
redução gradual, acaba se utilizando de tais medicamentos de modo crônico, por
anos. É comum nesse grupo a presença de mais sintomas ansiosos e depressivos.
Usuários crônicos: quando se propunha a redução da dose em 25% por semana, as maiores
taxas de insucesso ocorriam relacionadas aos seguintes fatores: alta dose diária diazepam-equivalente, elevado escore na escala MMPI de
personalidade dependente e antecedentes
de uso recreacional de drogas. O mesmo trabalho concluiu que um indivíduo é
mais suscetível à dependência de BZD quando possuir, como traços de
personalidade: dependência, passividade, submissão e falta de confiança.
Momentos de autoindulgência. os remédios seriam as soluções materiais disponíveis, fácil e
trivialmente adquiridas.
Segundo estudo feito em Campinas – SP, a maioria dos
usuários crônicos (mais ou menos 10 anos de uso) de diazepam é das classes C
(39%), D (54%) e E (7%). Geralmente, o médico prescritor é um clínico geral
(44,4%). Por fim, há claro e intrigante predomínio do sexo FEMININO (85,4%).
As mulheres recorreriam tanto aos BZD por
razões análogas às que levam os homens a serem abusadores de álcool, ou seja, a
busca de uma “saída” para muitos problemas.
Cinco elementos podem
ser elencados no manejo da dependência de BZD: preparação, ou psicoeducação
(informar sobre o problema); substituição por BZD de média a longa duração;
redução gradual; técnicas psicoterápicas; e manejo farmacológico, com o uso de
drogas como propranolol, buspirona e carbamazepina.
A retirada gradual de um décimo a um oitavo da dose de costume, a cada uma ou duas semanas (em
casos de pacientes dependentes de longa data ou resistentes à redução). Em
alguns casos, é mesmo possível realizar a redução mais rápida, à taxa de 25% a
50% a cada sete ou quinze dias, apesar de este método aumentar a chance de
falha na retirada, surgimento de sintomas de abstinência ou recaídas no uso.
Para alguns autores, um prazo de 6 a 8 semanas parece ser o ideal para a
maioria dos pacientes, embora alguns casos necessitem de até um ano. Uma
técnica muitas vezes cabível é a substituição por BZD de meia-vida mais longa,
como clonazepam ou diazepam, nas doses equivalentes, e a partir das quais se
procede a retirada.
Alguns pontos capazes de aumentar o sucesso na
intervenção de retirada de BZD:
• Aconselhar individualmente os pacientes a PARAR /
REDUZIR seu uso de BZD (tanto por carta quanto “cara-a-cara”); consultas de
seguimento podem aumentar o sucesso nestes casos.
• Encorajar grupos de suporte entre usuários, para
melhorar a auto retirada de BZD.
• Encorajar abordagem interprofissional, como por exemplo
farmacêuticos alertando médicos sobre
prescrição potencialmente inadequada de BZD ou enfermeiras que
regularmente contatem pacientes que estejam tentando para com os BZD,
provendo-lhes, também, informações.
• Educar todos os membros permanentes da equipe sobre
métodos alternativos para tratar insônia e reduzir o uso de BZD.