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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Aula FEBRACT - Federação Brasileira de Comunidades Terapeuticas - 21/09/2011

Comorbidades Psiquiátricas no Tratamento do Uso Abusivo de Psicotrópicos



Dra. Débora Christina Ribas D’Ávila - Médica Psiquiatra



TRANSTORNO MENTAL

É o conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado a sofrimento e interferência em funções sociais.



Psicotrópico ou Droga

DROGA é qualquer substância capaz de modificar o funcionamento mental ou comportamental de um indivíduo.

Inclui medicamentos (drogas lícitas) e plantas.

Drogas psicotrópicas ou psicotrópicos alteram o funcionamento mental ou psíquico.

Droga - substâncias que apresentam potencial de abuso e que podem causar dependência.



Comorbidade

É a ocorrência de dois diagnósticos (doenças) em um mesmo indivíduo.

Das 10 doenças mais comuns hoje, 5 são Psiquiátricas:

Depressão

Alcoolismo

Transtorno Afetivo Bipolar

Esquizofrenia

Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Comorbidades



Em portadores de Transtornos Mentais, o abuso ou dependência de substância é a comorbidade mais freqüente.


Platão: mania e uso de álcool.

Conseqüências mais sérias

Aumento de incidência.


Como diagnosticar as Comorbidades

História familiar

Exames laboratoriais

Questionários direcionados

Testes psicológicos

Observação clínica

Uso do CID10 ou DSM IV



Quais são os transtornos psiquiátricos mais comuns entre os dependentes de álcool e outras substâncias?


Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

Transtorno mais comum em crianças e o mais subdiagnosticado em adultos.

Desatenção, hiperatividade motora e impulsividade.

Prevalência de 10% em escolares e 5% em adultos.

TDAH 10:4 Abuso de substâncias.

Nicotina ameniza sintomas da síndrome nos receptores noradrenérgicos envolvidos na regulação da atenção.

Portadores de TDAH experimentam drogas mais cedo, usam-nas em maior quantidade, demoram mais para buscar tratamento e apresentam mais problemas no tratamento.

Tratamento:

Educação sobre a doença, sintomas e suas conseqüências:
Baixa auto-estima
Comportamento de risco
Dificuldade em seguir programa de 12 passos.


Transtorno de Ansiedade

É o mais comum na população geral (1:4)

Mais comum entre dependentes que entre abusadores.

“Beber para relaxar ou para enfrentar”

A cada 10 pacientes que buscam abstinência, 7 têm transtorno de ansiedade.

T. Ansiedade 4:1 Dependente de álcool

T. Pânico 10:4 Abuso de substâncias

Uso de cocaína 10:6 Pânico

Fobia Social 10:5 Dependência de álcool.
Uso de substâncias como auto-medicação

Tentativa de equilibrar o sistema excitatório muito ativo (alarme)

Agravamento do transtorno primário.

Tratamento:
Evitar benzodiazepínicos (medicamentos de tarja-preta)
Uso de antidepressivos – reduz ansiedade, o desejo de beber, reduz recaídas
Não há potencial de abuso/dependência dos antidepressivos.


Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)

TAB 10:3 Dependência de álcool

TAB 10:1 Dependência de drogas

Suicídio – 2 casos em cada 10

Impulsividade e falta de crítica

Maiores quantidades de substâncias usadas.



Tratamento
Orientações, atenção às tentativas de suicídio, controle sanguíneo da medicação.
O uso de psicotrópicos para estabilizar o humor é indispensável
Há perdas cognitivas leves durante as “crises” ou “ciclos”


Transtorno Depressivo

Depressão 5:10 Dependentes químicos

Deve-se investigar se a depressão é doença primária ou secundária ao uso

Etanol tem efeitos euforizantes e ansiolíticos fugazes e efeitos ansiogênicos e depressivos duradouros.

Tratamento:
Controle da vontade, motivação e auto-estima
Antidepressivos – indicação que considere outros comprometimentos clínicos. Reduzem o consumo de álcool e recaídas.



Transtorno de Personalidade (TP)

Kurt Schneider: “Psicopata é aquele que sofre ou que faz sofrer a sociedade. Não aprende com seus erros” (1887)

TP Borderline 10:8 Abuso de substâncias

TP Antissocial 10:9 Abuso de substâncias
Não se vinculam

Resistentes às mudanças de estágio

Baixa aderência ao tratamento

Abandono precoce do tratamento

Dificuldade em seguir regras e em aceitar figuras de autoridade

Manipuladores

Insensível “ao outro”

Baixíssima tolerância às frustrações.

Tratamento Farmacológico:
Não há medicação específica
Controle de sintomas – reação ao estresse e impulsividade
Evitar benzodiazepínicos
Usar antidepressivos ou antipsicóticos em baixas doses.



Transtornos Psicóticos

Sintomas: agitação, delírios paranóides, persecutórios, desorientação, confusão mental, alucinações auditivas e visuais, impulsividade e violência -> Investigar substâncias na urina

12% dos casos de esquizofrenia na Inglaterra foram desencadeados pelo uso de maconha.

Esquizofrenia 10:5 abuso de substâncias

A cada “crise” ou “surto” há perda irreversível de funções cognitivas.

Tratamento: Sempre usar antipsicóticos para evitar novos surtos

Trabalhar rede de apoio (família)


Transtornos Alimentares


Anorexia Nervosa


Peso corporal 15% abaixo do esperado

IMC < 17,5

Abstenção de alimentos que engordam

Vômitos auto-induzidos

Laxantes, diuréticos, anorexígenos

Exercícios físicos em excesso

Há distorção de imagem corporal

Amenorréia / Impotência sexual

Óbito em 20% dos casos


Bulimia Nervosa


Hiperfagia seguida por medo de engordar “neutralizado” por vômito auto-induzido, períodos de inanição, uso de laxantes, diuréticos e anorexígenos.

Peso normal

Após 6 meses de tratamento, 50% apresentam recaídas.


T. Alimentares 10:5 Uso de substância

Principalmente na bulimia (cocaína para controlar o peso)

Tratamento

Integrado
Fluoxetina
Bupropiona é contra-indicado.


Tabagismo


50% dos pacientes psiquiátricos fumam (25% da população geral)

Nicotina é droga – morte lenta e silenciosa

50% da população geral consegue parar de fumar, apenas 15% dos pacientes psiquiátricos o fazem.

Falsas crenças: Os pacientes não conseguirão parar de fumar; sem o cigarro ficarão ansiosos e agressivos.
Nicotina atinge o cérebro em 9 segundos

Funções cognitivas complexas: atenção, aprendizado, memória, percepção, controle motor e dor.

Estimula liberação de dopamina e serotonina -> sensação de prazer

Tabagistas 10:6 Depressão

Alcoolistas 10:9 Tabagistas

Usuários de drogas 20:19 Tabagistas

Tratamento:
Estratégias motivacionais
Modificação do uso de outras drogas / álcool
Bupropiona
Antidepressivos

Não fumantes mantém-se abstinentes de substâncias por períodos maiores que os fumantes





sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Carta a um Drogado - Rubem Alves - Correio Popular, Caderno C, 14/01/2001

Carta a um drogado




De todas os pássaros, os beija-flores são os que mais me fascinam. Suas cores brilhantes: verde, azul, preto. Nunca vi mas sei que alguns têm cores vermelhas. Flutuam no espaço como nenhum outro pássaro, suas asas batendo com uma velocidade tal que as torna invisíveis. E a velocidade do seu vôo: pairam no ar, imóveis, sugando a flor. De repente transformam-se em flechas que disparam pelo ar. Vivem do mel das flores. Enfiam seu bico fálico no orifício vaginal das flores, suas pequenas línguas saem e sugam o néctar doce.

Foi assim a primeira vez: como o beijo manso e inofensivo de um beija-flor. Você sentiu sua língua doce entrando no seu corpo. De repente tudo ficou colorido, brilhante, leve. Alegre. Como se você estivesse sendo tocado pelos deuses. Que bom se a vida fosse sempre assim!

O beija-flor se foi e sua vida voltou ao que era, o cotidiano de sempre que lhe parecia bobo e sem sentido. A vida ficava muito mais bonita com o beijo do beija-flor! O beija-flor voltou. Você ficou alegre. A experiência se repetiu. Você pediu que ele lhe enfiasse seu fino bico como da primeira vez. Esses beija-flores sempre obedecem. Você não percebeu que a lingüinha do beija-flor estava um pouquinho maior, entrava mais fundo em você. Mas, que importância tinha isso diante da alegria que o beija-flor lhe trazia?

Aí o beija-flor se transformou no seu pássaro encantado. Você pensava nele durante a sua ausência e sua vida passou a ser uma espera do seu retorno.

Cada vez que ele voltava sua língua ficava um pouco maior. Ia mais fundo. Dividiu-se em várias. Passou a entrar em muitas direções do seu corpo e da sua alma ao mesmo tempo. O beija-flor já não era o passarinho inofensivo do primeiro dia. Cresceu. Você percebeu que havia garras nos seus pés. E havia anzóis em suas línguas. Você começou a querer livrar-se dele. Mas ele já havia cavado buracos profundos no seu corpo e na sua alma. Na ausência do beija-flor esses buracos doíam com uma dor insuportável. Mas ele sempre voltava - tão diferente! - e fazia a dor passar. Agora o que o ligava ao beija-flor não mais era o prazer do primeiro dia. Era o prazer (tolo) de ver a dor passar.


A mitologia Grega conta de um herói, Prometeu. Prometeu desafiou os deuses, roubou o fogo e deu-o aos homens. Como castigo ele foi acorrentado numa rocha e um abutre vinha diariamente comer um pedaço do seu fígado.

Prometeu é você. O beija-flor o enganou. Disse-lhe que era possível ter a felicidade dos deuses sem fazer esforço: bastava aceitar o seu beijo. Você - menino bobão - acreditou. Agora você está acorrentado num rochedo. Você já notou que o beija-flor deixou de ser um beija-flor? Que ele se transformou num abutre? Vá diante de um espelho. Olhe-se com atenção. Veja a que lixo você foi reduzido!

O caminho em que você está tem apenas três fins possíveis.

O primeiro deles, o melhor, o que tem menos sofrimento, é a morte.

Ah! Ellis Regina! Você cantava tão bonito! Alegria para tanta gente! Mas as alegrias comuns da vida não lhe bastaram! Você queria alegrias maiores! Afinal de contas, os artistas bem que a merecem! Não sei se foi acidente ou se foi de propósito. O fato é que o beija-flor a matou.

Ah! Chet Baker! Você não sabe quem é Chet Baker? Aconselho-o a ir a uma loja de CDs e procurar por ele. Você vai ouvir o pistão mais veludo, mais suave, mais triste, mais bonito que você já ouviu. Que felicidade poder tocar pistão daquele jeito! Que felicidade ser amado do jeito como ele era, pela música que ele fazia. Mas ele não suportou as exigências do beija-flor que já havia se apossado do seu corpo. Incapaz de quebrar as correntes, ele achou que o único caminho era morrer. Somente a morte colocaria um fim ao seu sofrimento. A morte, freqüentemente, é a única saída.

O outro caminho é a loucura. O seu ‘hardware’ e o seu ‘software’ não agüentam a luta e você enlouquece. Será que há situações em que a pessoa deseja ficar louca? Sei que há situações em que a gente deseja ficar doente. Doente, a gente deixa de ter responsabilidades. Os outros cuidam da gente. Se você ficar louco não adianta o beija-flor vir. Os outros não vão deixar que ele entre. Dói muito a princípio. Se você não estivesse louco você deixaria que o abutre comesse mais um pedaço do seu fígado. Mas você está louco. Os médicos e enfermeiros o defendem.

O último caminho, eu acho, é o mais terrível. Por causa do beija-flor-abutre você é capaz de fazer qualquer coisa. E você vai entrando cada vez mais fundo num mundo sinistro e escuro do qual é muito difícil sair. Até que você comete um crime que o levará à prisão. Aí você passará a sua vida atrás das grades, no meio de criminosos cruéis - e você nem imagina a que humilhações você será submetido.

Essa carta, eu a escrevo admitindo a hipótese de que você queira quebrar as correntes. Se você não quer nem precisa continuar a ler. Será uma perda de tempo.

Há uma coisa que recebe o nome de ‘síndrome de abstinência’: ela é a dor que se sente na ausência do beija-flor-abutre. É dor física, é ansiedade, é angústia, é pânico, é desespero - tudo junto. Para se livrar dessa dor você será capaz de fazer qualquer coisa: você perde a razão. Aí, para que você não faça essa ‘qualquer coisa’, pessoas que o amam - se é que elas existem - tomam uma providência: internam você numa clínica. Internação em clínica é um artifício de força a que se recorre para impedir que você faça a tal ‘qualquer coisa’, na esperança de que, depois de muito sofrimento, a dor vá passando e as correntes fiquem mais fracas. De fato, com o tempo, as dores passam. Como passam também as dores que se tem quando uma pessoa querida morre. Com uma diferença: quem sofre a perda de uma pessoa amada sabe que não há nada que se possa fazer para que ela volte. Então, ela nem tenta. Convive com a sua dor. Não há outra alternativa.

Mas esse não é o seu caso. O buraco parou de doer. Mas ele continua lá. Continuam as memórias das experiências divinas. E as memórias tentam. Ah! Como tentam! E você diz: ‘Já estou livre! Só uma vez! Só uma última vez, vez de despedida. Não haverá outra...’

Jesus era sábio. Conhecia as armadilhas da alma. Contou uma parábola, a estória de uma casa onde morava um demônio. Aí o dono da casa ficou cheio com o demônio e o pôs para fora. Vazia a casa, ele a varreu, pintou e decorou. Mas ficou vazia. Passados uns dias o tal demônio, vagando pelas redondezas, passou pela casa onde morara e se surpreendeu: ‘Vazia! Ainda não tem morador!’ Foi, chamou outros sete demônios e se alojaram na casa. Jesus termina a parábola dizendo que o estado da casa ficou então pior do que era antes. Os demônios moram no Vazio.

Passadas as dores da ‘síndrome de abstinência’ o seu maior inimigo será o Vazio. Como diziam os filósofos antigos, a natureza não suporta o vazio. O vácuo ‘chupa’ o que está ao seu redor. Com o que concordam os que conhecem a alma: o Vazio é o lugar preferido dos demônios. Esta é a razão por que os místicos iam para o deserto, onde não havia ninguém. Não para ter paz. Mas para medir forças com os demônios. ‘E Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto para ser testado pelo demônio.’

Agora, que você está livre da ‘síndrome de abstinência’, trate de encher o seu Vazio. Se você não o encher os demônios voltarão.

Pra lidar com o Vazio nada melhor que trabalho corporal, braçal. As atividades intelectuais e espirituais, que eu tanto amo, podem ser perigosas. Leitura, poesia, meditação, são remédios fracos. Fracos porque eles são vizinhos do mundo do beija-flor. Atividades intelectuais e espirituais freqüentemente têm efeitos parecidos com os das drogas. Marx estava certo quando comparou a religião ao ópio. Freud estava certo quando se referiu ao poder inebriante da música. Inebriante: que nos torna ébrios...

Aconselho que você se empregue numa oficina mecânica, numa construtora, como auxiliar de pedreiro, numa madeireira, numa carpintaria, como agricultor, como jardineiro, como enfermeiro, como lixeiro. Será inútil que você se dedique aos seus próprios hobbies. Você precisa de alguém, ligado aos trabalhos corporais, que saiba da sua situação, e que o aceite como aprendiz.

E é preciso não estar sozinho. Batalha que se batalha sozinho é batalha perdida. Batalha que se batalha com outros é batalha que pode ser ganha. Os AA sabem disso. Os Vigilantes do Peso sabem disso.

A vida, com todas as suas limitações e frustrações, merece ser vivida. Às margens do caminho esburacado há morangos que podem ser colhidos e comidos. Trate de viver. Trate de comer os morangos. Esforce-se por ser feliz!

terça-feira, 6 de setembro de 2011

"Parece Milagre" - Revista Veja - 7 de Setembro de 2011 - Sensacionalismo? Falta de bom-senso?

A capa da Revista Veja de 7 de Setembro de 2011 mostra a liraglutida (nome comercial Victoza), um medicamento para o tratamento do diabetes tipo 2, como objeto de desejo para quem sonha perder quatro, seis, oito, 10 quilos sem fazer força! O título da Edição é Parece Milagre


A Victoza funciona muito bem no paciente diabético, controlando a quantidade de açúcar no sangue. Proporciona outros benefícios combinados como redução da pressão arterial sistólica e melhora da função das células beta, responsáveis por sintetizar e secretar a insulina. Promove a perda de peso pelo fato de retardar o esvaziamento gástrico e aumentar a sensação de saciedade após as refeições.

“Liraglutida (ouVictoza) é um análogo de GLP-1, hormônio natural produzido pelo intestino que colabora para o metabolismo normal da glicose como outros hormônios pancreáticos e gastrointestinais como a insulina, o glucagon, a amilina. O medicamento, indicado para pacientes diabéticos do tipo 2, age no pâncreas estimulando a liberação de insulina apenas quando os níveis de açúcar no sangue estão altos”, explica Marcelo Freire, diretor médico do laboratório Novo Nordisk, que produz o Victoza.

Efeitos colaterais: prisão de ventre, hipoglicemia, cefaleia, tontura, infecção do trato aéreo respiratório (rinite, sinusite), infecção do trato urinário, dor nas costas, dor de estômago e inchaço ou vermelhidão no local da injeção.

Para perda de peso com finalidade estética – aqueles dois ou quatro incômodos quilinhos – a liraglutida é contraindicada. Mas há pesquisas em andamento com pacientes obesos (com IMC acima de 30) e não diabéticos.

Aplicada uma vez ao dia, por meio de uma caneta de injeção subcutânea, no horário mais conveniente para o paciente, proporciona comodidade ao paciente diabético, estimulando a adesão ao tratamento.

“O que não pode acontecer é a banalização do uso do medicamento. Não faz sentido prescrever a liraglutida com a finalidade de emagrecimento rápido. Vai contra tudo o que sempre pregamos, que é a manutenção da saúde por meio de atividade física regular e alimentação balanceada”, adverte o endocrinologista e médico do esporte Ronaldo Arkader, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo.

“Todo tratamento visando perda de peso envolve dieta e exercícios. Trabalhamos a adesão a hábitos saudáveis. Qualquer coisa além disso é acessório. Milagres não existem”, reforça o endocrinologista Ricardo Meirelles, presidente da Comissão de Comunicação Social na Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).


Porém o que parece milagre é como é que após tantas e tantas dietas mirabolantes, exercícios extenuantes e outros blá-blá-blás o assunto ainda vende - e muito - revista! Na Veja de 29 de novembro de 2000, uma matéria com exatamente o mesmo nome foi publicada.

Brasileiros comprovam resultados do programa americano de dieta e exercícios para mudar o corpo em doze semanas Flávia Varella

O americano Bill Phillips - professor de educação física e dono de um laboratório de suplementos nutricionais, montou um programa de dieta e exercícios que promete transformar corpos gordos e flácidos em silhuetas de atleta no reduzidíssimo prazo de doze semanas. Fotos que mostram as mudanças ocorridas nesses três meses aparecem no material de propaganda de sua empresa, Eas, e no livro Body for Life, que ele escreveu para difundir o programa.

 Numa academia no centro de São Paulo, um grupo de professores e alunos resolveu seguir à risca o plano proposto. Três vezes por semana, fazem sessões de 45 minutos com exercícios de musculação em que a idéia é levantar cada vez mais peso, chegando ao limite do suportável. Nos outros três dias, os exercícios são aeróbicos, em geral corrida ou bicicleta. São apenas vinte minutos, mas também de altíssima intensidade. Nesses seis dias, seguem uma dieta alimentar não muito diferente dos esquemas conhecidos por quem já tentou perder peso: seis refeições leves, relativamente restritivas, mas sem atingir o padrão famélico dos regimes mais drásticos. O sétimo dia é livre. Pode-se comer o que e quanto quiser e não é preciso levantar um dedo.

Os resultados parecem milagrosos. O diferencial que traz resultados tão rápidos e impressionantes está justamente no ponto em que é mais criticado por especialistas: a intensidade. "Para quem tem vida sedentária, começar com nível máximo de esforço é arriscado para a saúde, além de ser um sacrifício", diz o especialista Turibio Leite de Barros. O nutricionista Reinaldo Tubarão Bassit considera a dieta maléfica porque recomenda a ingestão de muita proteína e menos carboidrato do que o necessário para o esforço físico exigido. "Ela pode afetar rins e fígado e não fornece energia suficiente para a queima de gorduras e para que a pessoa renda o bastante no exercício", afirma.

 Body for Life é um sucesso porque os leitores e seguidores de Bill Phillips, como a grande maioria da humanidade, estão interessados em estética e não em saúde. E porque o autor também é fera em marketing. Há três anos, ele teve sua melhor idéia. Criou um campeonato desafiando as pessoas a transformar o corpo radicalmente no tal prazo de doze semanas. Neste ano, o concurso teve cerca de 500.000 inscritos e vai distribuir 1 milhão de dólares em prêmios – 100.000 dólares para o grande campeão. Com o concurso, além de lan&c um desafio estimulante para atrair adeptos, Phillips arranjou as melhores propagandas ambulantes do ramo: homens e mulheres comprovando que o método funciona.

"As fotos podem criar uma falsa expectativa porque mostram os vencedores, os casos extraordinários, não a média", diz Francisco Navarro, professor de fisiologia do esporte e revisor científico da tradução do livro. "Os que aparecem nas fotos são predestinados geneticamente a perder peso facilmente e ganhar músculos. O livro, porém, não fala que existe individualidade biológica", critica o personal trainer Irineu Loturco. Outro professor de educação física, Luiz Galasso, é mais desconfiado. "Alguns casos têm cara de doping ou mesmo lipoaspiração." Quem participa do concurso assina um termo garantindo que não fez uso de anabolizantes e esteróides. Os brasileiros não tomaram. E mudaram.